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CHRISTINE DE PIZAN E OS PREÂMBULOS DA QUERELLE DES FEMMES

Fundamentos Filosóficos e Desdobramentos Teóricos

Projeto de Pesquisa, Departamento de Filosofia, UFRGS

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Coordenação: Ana Rieger Schmidt

ana.rieger@gmail.com

O presente projeto pretende analisar a importância da obra da escritora e filósofa medieval Cristine de Pizan. Propomos fazê-lo inserindo-a no recorte histórico da Querelle des Femmes – etiqueta sob a qual são estudados os primeiros debates teóricos sobre o papel social da mulher na Europa. Está no centro desse debate uma reinvindicação mais específica, mas ainda assim absolutamente central nesse corpus textual, segundo a qual mulheres devem receber a mesma educação que os homens. Essa reivindicação depende da tese segundo a qual a racionalidade é a mesma em homens e mulheres e, portanto, a capacidade de conhecer não é determinada pelo sexo. Dito isso, o projeto visa, em um primeiro momento, identificar e tipificar os argumentos oferecidos a favor dessa tese, analisa-los e apontar suas fontes, rupturas e continuidades nos debates a partir de 1400. Além disso, procura identificar e analisar as fontes filosóficas de seu pensamento, especialmente no que toca à sua compreensão das noções de corpo e racionalidade.

 

Objetivos gerais do projeto

 

  1. Apreciar a dimensão filosófica da obra de Christine de Pizan.

  2. Apreciar a importância e recepção da obra de Pizan nos debates que compõem o corpus denominado como Querelle des Femmes.

  3. Promover uma reflexão sobre as produções textuais laicas para a plena compreensão do que foi a atividade filosófica na idade média.

 

Christine de Pizan como filósofa

 

A busca pela dimensão filosófica da obra de Pizan passa por uma reflexão sobre o fazer filosófico do período medieval, bem como levar em conta uma distinção sociocultural fundamental para tanto: a distinção entre clérigo e laico[1]. Enquanto mulher, Pizan pertence ao meio laico medieval e, portanto, se encontra excluída do ensino formal. Seu percurso educativo segue uma via pouco comum: enquanto filha de membro da corte, Pizan pôde receber uma educação diferenciada através de tutoria – como era recorrente entre filhas de aristocratas. Além disso, teve acesso ao acervo da primeira biblioteca real da França – a célebre biblioteca alimentada por Carlos V que ocupava o palácio do Louvre – elemento sem dúvida essencial para explicar seu conhecimento de obras centrais da tradição filosófica latina. Por não pertencer ao meio universitário, não caberia esperar encontrar em seus escritos a mesma estrutura textual decorrente desse ti ensino universitário. Com efeito, a tarefa de apreciar a dimensão filosófica em seus escritos passa pelo cuidado de buscar argumentos em textos de valor literário “menos convencionais” do ponto de vista do cânone filosófico.

 

Uma delimitação historiográfica 

 

Encontramos passagens recorrentes na obra de Pizan que procuram denunciar o caráter falacioso da visão segundo a qual as mulheres são criaturas defeituosas e, portanto, não podem participar da vida política, tampouco comungar espiritualmente na mesma medida que os homens. Nesse sentido, o projeto se concentra sobre os argumentos que procuram provar que a misoginia denunciada estaria desprovida de fundamento empírico e, portanto, baseada em uma generalização indevida. 

A Querelles des Femmes” é a expressão utilizada para designar o debate travado entre autores de diferentes segmentos (que incluem filósofos, juristas, médicos, dramaturgos, etc.) sobre, de modo geral, o estatuto da mulher na sociedade. Tal corpus pode ser estudado em tanto em sua dimensão política como a partir do seu interesse filosófico. Nesse caso, uma estratégia para abordar os textos se dá através da análise do conjunto de argumentos recorrentes em favor da igualdade entre os sexos a partir de uma compreensão da razão como igualmente distribuída na espécie humana. Entendemos que Pizan pertence a nesse debate como antecipadora[2]. Para além da unidade temática, pode-se afirmar que há nesses textos um contíguo de argumentos que permite estuda-los sob a mesma categoria historiográfica.

 

 

 

[1] Cf. IMBACH, Ruedi; KÖNIG-PRALONG, Catherine. Le Défi Laïque: Existe-t-il une philosophie de Laïcs au Moyen Âge? Paris: Vrin, 2013. Ruedi Imbach e Catherine König-Pralong propõem em Le défi laïque uma reflexão sobre a pertinência dos meios laicos da sociedade medieval para a plena compreensão da atividade filosófica dessa época. Um programa de estudos é assim esboçado na tentativa de transformar a maneira como os historiadores da filosofia medieval abordam seu objeto de estudo. Nesse sentido, os autores defendem que figuras como Christine de Pizan, ao lado de outros filósofos laicos – como Raimundo de Lúlio (filósofo e poeta catalão), Petrarca (poeta e humanista italiano) e Dante Alighieri – devem ser reabilitados numa nova perspectiva de pesquisa em história da filosofia medieval.

[2] Inserem-se nesse debate, ainda, De nobilitate et praecellentia foeminei sexus (1529) de Henricus Cornelius Agrippa, La nobiltà et l’eccellenza delle donne, co’ difetti et mancamenti de gli uomini (1600) de Lucrezia Marinella, A Serious Proposal to the Ladies (1694) de Mary Astell, e ainda A Vindication of the Rights of Woman (1792) de Mary Wollstonecraf, entre outros textos.

British Library, Harley 4431, fol. 4r.

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