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A influência do materialismo dialético no pensamento feminista de Simone de Beauvoir

BRUNA MELLO GOMES BERNARDES (Unicamp)

Dissertação de mestrado

Orientadora: Yara Adario Frateschi

Data prevista para defesa: 01/03/2023


Simone de Beauvoir faz sua célebre contribuição para a teoria feminista na obra O Segundo Sexo. Publicada em 1949, a obra denuncia a situação de opressão das mulheres a partir de uma análise sobretudo existencialista e materialista, portanto antiessencialista e antinaturalista, da condição feminina. Embora a recepção contemporânea do feminismo beauvoiriano tenha levantado interpretações divergentes – algumas marcadas por críticas personalistas que descaracterizaram a autenticidade da filósofa, outras dirigidas à sua abordagem existencialista do método histórico-dialético –, O Segundo Sexo tornou-se um marco para o pensamento feminista, oferecendo diversas questões para os feminismos contemporâneos.

No entanto, há uma leitura predominante do pensamento beauvoiriano como derivado do existencialismo sartriano (ou, até mesmo, como propriamente sartriano) que possui uma tendência de desconsiderar as bases materialistas do pensamento de Beauvoir, contribuindo para o apagamento de Beauvoir como a autora de suas próprias concepções. Tal leitura pode ser analisada como consequência da tradução deturpada da versão inglesa de O Segundo Sexo publicada nos Estados Unidos em 1953. Traduzida por Howard M. Parshley, professor de zoologia da Smith College na época, a obra foi publicada como um manual de sexo para as mulheres, eliminando e modificando, assim, trechos fundamentais que prejudicaram a compreensão da obra de Beauvoir.

A leitura do pensamento feminista de Beauvoir erroneamente deslocada como fundada no existencialismo sartriano contribui com a afirmação de que Beauvoir foi colocada à sombra de Sartre porque era apenas “a grande Sartreuse”, isto é, uma seguidora fiel do pensamento sartriano. Além do fato de Beauvoir ter sido igualmente uma influência para Sartre, o pensamento beauvoiriano se distingue progressivamente do pensamento sartriano, particularmente ao realizar a relativização do conceito abstrato de liberdade de Sartre, a partir da qual a filósofa reconhece a dimensão situacional dos sujeitos. O conceito beauvoiriano de situação, bem como o de ambiguidade, serão os conceitos mobilizados nesta pesquisa para compreender a base materialista da teoria da opressão feminina de Beauvoir.

Em consequência da tradução deturpada e da supressão de trechos importantes de O Segundo Sexo, a interpretação do pensamento feminista de Beauvoir que predominou nos EUA (e que influenciou a interpretação no Brasil e em outros países), cristalizou a relação entre Beauvoir e o existencialismo como única e mais importante para compreender O Segundo Sexo. Minha proposta de trabalho parte, portanto, do seguinte problema: embora não haja o devido reconhecimento da influência do materialismo para a constituição do pensamento feminista de Beauvoir – em parte por conta da tradução deturpada de O Segundo Sexo de Parshley, mas também devido à desfiguração da teoria crítica de Marx, tanto pela autocracia stalinista quanto pela tendência pós-moderna em reduzir o materialismo a uma crítica exclusiva das relações econômicas capitalistas –, a filósofa se apoia fundamentalmente no método histórico-dialético para compor sua teoria da opressão.

Com a distorção da teoria crítica de Marx, que rendeu uma interpretação dominante do pensamento de Beauvoir, evidentemente não pareceu interessante para a crítica estadunidense reunir e traduzir os textos feministas da fase madura do pensamento de Beauvoir, marcada pelo engajamento feminista materialista. Em vista disso, o que mobiliza a análise da relevância do método histórico-dialético para Beauvoir é o fato de o pensamento feminista de Beauvoir não se encerrar em O Segundo Sexo; pelo contrário: esta é apenas uma fase de um pensamento crítico em processo. Artigos feministas posteriores evidenciam o amadurecimento do pensamento de Beauvoir, marcado, evidentemente, pelo engajamento da filósofa no movimento feminista materialista francês que tomava espaço no contexto sociopolítico da França na segunda metade do século XX, o qual, por sua vez, resultou no movimento de maio de 1968. Não se deve, portanto, reduzir o pensamento feminista de Beauvoir a O Segundo Sexo, como se o pensamento de Beauvoir, em particular o feminista, se limitasse e, sobretudo, se cristalizasse nas suas contribuições de 1949. Nesse sentido, uma leitura materialista do pensamento feminista de Beauvoir se propõe a compreendê-lo em sua totalidade, como uma trajetória situada em seu momento histórico, e não apenas em vista de uma obra específica que por si mesma não é capaz de evidenciar a constituição de um pensamento crítico.

Desse modo, de início, apresentarei brevemente os problemas da primeira tradução inglesa d’O Segundo Sexo, feita por Howard Parshley, apontando para o seguinte problema: ao ser utilizada por estudiosos e interessados durante quase 60 anos, a tradução deturpada de Parshley – que omitiu mais de 10% do texto integral e alterou o significado de conceitos filosóficos usados pela autora – cristalizou uma interpretação dominante estadunidense da obra que exclui a influência do materialismo dialético na constituição do pensamento feminista de Beauvoir. Tal interpretação reflete, além disso, o desinteresse geral pelos escritos feministas posteriores da autora e pela sua atuação política no movimento feminista, os quais evidenciam seu importante papel no surgimento do feminismo materialista francês.

Em seguida, apresentarei as críticas de Beauvoir às desfigurações que a teoria social de Marx sofrera no campo do marxismo, elaboradas na fase jovem de seu pensamento, nas obras Moral da Ambiguidade e O Segundo Sexo. Meu interesse aqui é estabelecer a distinção necessária entre a interpretação do materialismo pelo marxismo institucional e a interpretação que Beauvoir faz do materialismo a fim de explicitar de que modo o método histórico-dialético fundamenta os conceitos beauvoirianos de situação e ambiguidade.

Em vista disso, para compreender de que modo o método histórico-dialético é incorporado à teoria da opressão feminina de Beauvoir, analisarei, por fim, a obra O Segundo Sexo e o volume Feminist Writings da coleção “The Beauvoir Series”, que correspondem ao que denominei, respectivamente, de fase jovem e fase madura do pensamento feminista de Beauvoir, tendo com fio condutor dois conceitos fundamentais da filósofa: situação e ambiguidade. É por meio destes conceitos que demonstrarei a importância de reconhecer Beauvoir como uma feminista materialista francesa.


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