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A potencialidade do feminismo agonístico

ROSIENE BARROS DA ROCHA (UFES)

Dissertação de mestrado

Orientador: Marcelo Martins Barreira

Data de defesa: 23/09/2019



Fonte da imagem: https://www.democraticaudit.com/wp-content/uploads/2018/08/For-a-Left-Populism-image.jpg



A pesquisa, que surgiu inicialmente do meu interesse em aprofundar a análise sobre teorias e pensamentos políticos produzidos por mulheres filósofas, buscou investigar em que medida o modelo agonístico de democracia radical proposto por Chantal Mouffe, baseado na valorização do pluralismo e do dissenso, pode ser identificado no feminismo. A abordagem da autora quanto à forma de ampliar a esfera de ação política constitui o nosso foco de análise, na busca por compreender como as diversas articulações e lutas democráticas feministas podem retratar a potência de um feminismo agonístico como projeto político mais amplo de democracia.


A filósofa desenvolve o seu pensamento assumindo o antagonismo e o conflito como categorias centrais do político, na medida em que defende a importância do dissenso para a própria sobrevivência da democracia, em uma sociedade cada vez mais plural. Como forma de compatibilizar a distinção amigo/inimigo do antagonismo com o pluralismo democrático, a autora propõe transformar o antagonismo em agonismo, o que torna possível o conflito não entre inimigos, mas entre adversários. Mouffe reconhece a importância, contudo, da construção de cidadãos democráticos como forma de possibilitar o modelo adversarial proposto. A partir da noção de exterioridade constitutiva, ou seja, o “eles”, a autora se lança à compreensão sobre o que está em jogo na construção das identidades, apontando, assim, o poder como constitutivo das relações sociais que se estabelecem entre nós/eles. A maneira de viabilizar as formas de identificação dos cidadãos, com o propósito de motivá-los à participação democrática e coletiva, não fugiu do raio de análise da autora, cuja proposta passa pela tarefa da política de criar canais democráticos pelos quais as paixões pudessem ser mobilizadas.


Nessa seara, Mouffe defende o necessário embate entre esquerda e direita como importante canal democrático capaz de mobilizar a participação política dos cidadãos, uma vez que a dimensão afetiva está diretamente relacionada com as formas de identificação democrática. Na ausência de um espaço vibrante de contestação, assim como formas democráticas de identificação, abre-se espaço para discursos extremistas e fundamentalistas que incluem a política na esfera moral e, assim, colocam em risco o processo democrático.


A forma de encarar a luta política é abordada pela autora a partir da compreensão de radicalização da democracia, que exige a transformação das estruturas de poder e a construção de uma nova hegemonia. Através das práticas articulatórias, a autora propõe a cadeia de equivalências como estratégia capaz de subverter as diferenças entre identidades construídas discursivamente e, assim, formar uma vontade coletiva capaz de ampliar a ação política contrária às práticas opressoras.


Assim, as diferenças entre as identidades deixariam de existir momentaneamente para dar lugar a uma forma de identificação coletiva ou vontade coletiva. A partir da criação de espaços agonísticos, as demandas poderão ser articuladas como estratégia capaz de confrontar a hegemonia, cuja resolução, contudo, é sempre provisória e contingente, em um interminável processo de conflito e interação entre poderes hegemônicos e contra-hegemônicos.


Nesse ponto, faz-se possível identificar o perfil agonístico que assume o feminismo em razão da ampla diversidade de vozes e de identidades existentes dentro do próprio movimento feminista e que sempre marcaram a sua trajetória. A diversidade e pluralidade de posicionamentos foram recebidos pelo feminismo, assim como os inevitáveis conflitos daí advindos, tornando-os não só valorizados no jogo democrático em que se busca garantir a liberdade e igualdade, como também traduzidos como potencialidade para ampliar a ação política democrática.


A atuação política das mobilizações feministas, cujas identidades políticas fluidas são constantes na articulação de demandas, nos convence como forma de aplicação do modelo de democracia radical e plural de Chantal Mouffe nos casos concretos. De fato, mulheres indígenas, negras, rurais e urbanas protagonizaram, em vários momentos da história de lutas políticas, ações de resistência e enfrentamento contra práticas antidemocráticas que colocavam em risco toda a sociedade, confirmando, assim, a potencialidade de um feminismo agonístico.


Um caso que exemplifica tal potencialidade do feminismo agonístico, ao adotar práticas de articulação como estratégia de lutas democráticas, se refere à construção do processo participativo protagonizado pelas mulheres sindicalistas e trabalhadoras rurais em nosso País. Abarcando uma diversidade de identidades – agricultoras, extrativistas, quilombolas, pescadoras, dentre outras – as “mulheres trabalhadoras rurais” se voltaram para a construção de bases de lutas e reivindicações unificadas como forma de garantir a inclusão e representatividade de uma pluralidade de identidades e posições de sujeito.


Essa diversidade fez parte da composição da Marcha das Margaridas, que buscou incluir lutas e reivindicações em suas pautas como forma de ampliar o alcance do movimento, assim como fortalecer o sentimento de pertencimento coletivo e de inclusão. Ao defender uma política feminista não fundamentada em um modelo homogêneo e coerente, a referida plataforma de mulheres se lançou na articulação de diferentes lutas e reivindicações em um campo diverso, mutável e capaz de movimentar fronteiras (PIMENTA, 2012, p. 4).


A forma de potencializar as estratégias do projeto democrático feminista agonístico deve considerar, assim, o enfrentamento de novos e velhos desafios a partir de uma visão mais ampla e com capacidade para alcançar as desigualdades e relações complexas sob os recortes não apenas de gênero, mas também de classe, etnia, raça, idade, orientação sexual, dentre outros, por meio das práticas articulatórias e formação da cadeia de equivalências entre os demais movimentos sociais.


Por não se render ao silêncio forçado dos consensos, o feminismo se abriu aos espaços agonísticos e às mais diversas formas de interpretação de valores e princípios ético-políticos no próprio movimento feminista. Sob tal análise, torna-se possível identificar a potencialidade do feminismo agonístico, a partir da proposta de democracia radical e plural de Chantal Mouffe, como uma alternativa de política democrática para as sociedades contemporâneas.


Referências Bibliográficas

MOUFFE, Chantal. O Regresso do Político. Tradução Ana Cecília Simões. Lisboa. Ed. Gradiva, 1996.

______. Pensando a democracia com, e contra, Carl Schimitt. Tradução Menelick de Carvalho Neto. Em “Revue Française de Science Politique, vol. 42, n° 1, fevereiro – 1992

______. Por um modelo agonístico de democracia. Revista de Sociologia e Política. Curitiba, 25, p. 11-23, Nov. 2005.

______. Sobre o Político. Tradução Fernando Santos. São Paulo. Ed. WMF Martins Fontes, 2015.

­­­_______. Hegemonia e Estratégia Socialista: Por uma política democrática radical. Tradução de Joanildo A. Burity, Josias de Paula Jr. e Aécio Amaral. São Paulo. Ed. Intermeios. 2015.

PIMENTA, Sara Deolinda Cardoso. Participação, poder e democracia: mulheres trabalhadoras no sindicalismo rural. Seminário Internacional Fazendo Gênero 10. Florianópolis, 2012.


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