Há inúmeras razões para comemorar a recente passagem da filósofa feminista Angela Davis pelo Brasil. Em três conferências – duas em São Paulo e uma no Rio de Janeiro –, ela falou sobre temas que animam a sua obra: a importância do feminismo negro na crítica ao feminismo branco de matriz liberal, a denúncia da violência das políticas de encarceramento em massa e sua associação com a escravidão, o questionamento das prisões como locais de despejo daqueles que já não sevem mais ao capitalismo são alguns exemplos dos temas abordados. Sob o título “A liberdade é uma luta constante”, Davis teve ainda a generosidade de reconhecer pensadoras feministas negras no Brasil, como Lélia Gonzalez e Sueli Carneiro, bem como rebatizar a cidade do Rio de Janeiro de “cidade de Marielle Franco”.
É no entanto em relação a um pequeno trecho de sua conferência no Ibirapuera que gostaria de chamar a atenção para a contribuição de Davis a uma questão que anima a criação da “Rede brasileira de mulheres filósofas”: os inúmeros obstáculos e preconceitos enfrentados em relação à presença das mulheres no campo filosófico. Numa pergunta sobre a decisão de escrever sua autobiografia – redigida quando ela tinha ainda 28 anos e recém-havia saído da prisão –, Davis explica que dependeu demais da ajuda de sua amiga e editora, Toni Morrison, por não estar habituada ao tipo de texto que o livro exigia. Explicando seu processo de escrita, ela diz: “A minha formação é em Filosofia, eu não estava acostumada a escrever aquele tipo de literatura. A minha escrita tinha uma tendência à abstração” (no vídeo, em 1h53m).
Essa faculdade do pensamento abstrato, que Davis menciona com tanta naturalidade, é apenas um dos pretextos para a discriminação contra mulheres no campo filosófico. É de se registrar, com alegria e esperança, que a filósofa feminista não demonstre dificuldade de admitir ter essa capacidade, da qual homens e mulheres podem ser dotados/as. Entre as inúmeras explicações para a baixa adesão feminina ao estudo de filosofia está a crença de que os cérebros das mulheres são menos propensos a tudo que exige abstração, aí incluída não apenas a filosofia como também as ciências matemáticas. Confirmando Davis, a liberdade, em todos os sentidos dessa palavra, é mesmo uma luta constante.
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