EDIANE SOARES BARBOSA (UFC)
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Tese de doutorado (orientador: Evanildo Costeski)
Data prevista de defesa: 20/12/2023
Fonte da imagem: https://news.un.org/pt/sites/news.un.org.pt/files/styles/un_news_full_width/public/thumbnails/image/2016/08/OIM.jpg?itok=C6aM2Xbb
A questão de partida do nosso projeto é a relação que identificamos entre a obra de Otfried Höffe, filósofo contemporâneo, intitulada A democracia no mundo de hoje (2005), com o opúsculo kantiano À Paz Perpétua (1795). Para Höffe, o texto de Kant representa uma das mais importantes obras que tratam da questão da Paz Mundial, pois aborda questões essenciais que poucos filósofos conseguiram desenvolver, como por exemplo, a ideia de um cosmopolitismo pautado na perspectiva da cidadania mundial. Tal relação resulta no que Höffe chama de salvaguarda dos cidadãos do mundo, que tem como fundamento assegurar a todos os indivíduos, em todos os lugares do mundo, a mesma salvaguarda dos direitos humanos. Ou seja, trata-se de se pensar uma estratégia sociopolítica de defesa dos Direitos Humanos, de modo que estrangeiros tenham assegurados os seus direitos fundamentais em qualquer parte do mundo, sem por isto abdicar dos seus direitos civis.
Após relatar a importância de se pensar a salvaguarda de direitos dos cidadãos do mundo, Höffe chama a atenção para a ideia que será o foco da nossa tese: de que todo homem tem direito a uma nacionalidade. A partir destas duas esferas – salvaguarda dos cidadãos do mundo e direito à nacionalidade, enquanto direito a ter direitos civis - o autor identifica uma importante questão: um indivíduo pode abdicar espontaneamente de sua nacionalidade, ainda que seja a única que possua? Tal questão encontra sua expressão na atualidade justamente na crise migratória internacional. Afinal, como é possível falar de direito à nacionalidade em um contexto onde milhares de pessoas são privadas de permanecerem em seus países de origem e de ingressarem em outros países, quando se encontram refugiados, seja por ocasião de guerras, perseguições políticas, condições de pobreza extrema, etc?
A nossa tese, portanto, consiste em mostrar como a ideia de cosmopolitismo, de Kant a Höffe, sob o viés de uma Filosofia Prática, pode traçar uma perspectiva de justiça política para a questão migratória atual. Com base no que é defendido por Höffe, acerca do cosmopolitismo jurídico, procuraremos, a partir das questões que seguem, identificar quais são as possibilidades de ampliação do que significa ser um cidadão cosmopolita na atual ordem mundial. Será que o que nos faz ser dotados de uma suposta cidadania mundial resume-se ao direito de ir e vir? Se sim, como esse direito pode ser confrontado com as atuais legislações que regem as fronteiras e as decisões políticas relacionadas à questão migratória? Se não, como a possibilidade de abdicar de uma nacionalidade, ou até mesmo de escolher a nacionalidade a qual o sujeito deseja pertencer, pode ser um sinal de que não é apenas o direito de ir e vir que qualifica a ideia de cidadania mundial (que está para além da questão territorial)?
Segundo Höffe, ao abdicar espontaneamente de sua nacionalidade, o sujeito deveria ter o direito de, assim agindo, expressar seu protesto político, por exemplo, contra a violação dos direitos humanos ou contra a política externa do governo de seu país. Embora pareça simples conceber o direito de renunciar a uma nacionalidade, percebemos uma grave contradição de cunho pragmático, afinal, o que deseja um sujeito que protesta contra um governo, se não que este seja transformado em algo melhor para si e para a coletividade a quem serve? Ao renunciar a sua nacionalidade, o indivíduo não estaria também renunciando ao direito de participação a ela vinculado, bem como à possibilidade de influenciar as decisões que serão tomadas pelas instâncias estatais que governam tal nação? Além de tais questões, surge também a dúvida sobre como os filhos de pais que abdicaram de suas nacionalidades poderão ter seus direitos assegurados.
De fato, o direito de ir e vir não está ligado apenas à vontade do indivíduo de permanecer ou se retirar de algum lugar. Há questões mais amplas relacionadas a este direito que precisam ser levadas em consideração, como por exemplo, a questão migratória que envolve as condições sócio-políticas e culturais dos Estados de onde e para onde as pessoas migram. Afinal, a questão migratória não encerra-se nas necessidades individuais, mas aparece no mundo como a realidade de grupos sociais amplos e populosos que, não contemplados com as condições de bem estar e sobrevivência nos seus países de origem, buscam amparo em outros países que estejam abertos para recebê-los. Porém, em muitos casos, não havendo tal abertura, seja por falta de condições estruturais ou por limitações de outra ordem (como preconceitos ligados à xenofobia ou racismo, por exemplo) a migração acontece de maneira ilegal, muitas vezes ocasionando situações trágicas.
Como o Direito Cosmopolita lida com tais questões? Neste caso, a garantia do direito humano à migração deve ser o ponto central do Direito Cosmopolita. Tal direito deve ser dotado de uma legislação que não o torne inviável, mas possibilite um diálogo realista com as necessidades da cidadania mundial, apregoando dignidade à situação dos migrantes – com atenção, por exemplo, às condições de vida dos refugiados - ao mesmo tempo em que não permita-se cair em contradições que prejudiquem a soberania de cada Estado.
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