Thailize Brandolt da Rocha (UCS)
Dissertação de mestrado
Orientador: Idalgo Sangalli
Data de defesa: 06/10/2020
Fonte da imagem: http://www.revistacliche.com.br/wp-content/uploads/2012/08/consumerism-572x310.png
Vivemos uma vida em busca de quê? O que é que buscamos todos os dias e que fará nossa existência valer a pena? Podemos dizer que a maioria identifica essa realização com a ideia e desejo de felicidade. Porém, se todos buscam a felicidade, por que são poucos os que se consideram felizes? Felicidade é uma simples condição de contentamento ou algo além disso? Tornando-se algo possível, quais são as condições de realização? Como é possível alcançá-la em um mundo cada vez mais desigual em matéria de condições básicas de sobrevivência? A felicidade é um tema recorrente na história da filosofia.
No nascimento do pensamento filosófico na Grécia Antiga, temas como: a origem do mundo e dos homens; qual a melhor maneira de viver; o que a alma humana pode alcançar; o que se deve ou não fazer, que já haviam sido debatidos nos mitos e nas religiões, passaram a ser investigados pela busca dos princípios originários, ou seja, das causas ou fundamentos racionais de toda a realidade, e não apenas de forma simplesmente dogmática. A partir dessa investigação, estava também a busca pela concepção daquilo que era entendido por felicidade e como alcançá-la. Hoje, com a facilidade de acesso aos bens de consumo, talvez nossa idealização de felicidade esteja mais atrelada com o quanto podemos parecer admiráveis para o mundo conforme o número de conquistas materiais que possuímos e não através de uma realização essencial da vida. Ou seja, nós adquirimos coisas, cargos, títulos, posições sociais na perspectiva de que a sociedade nos recompense em forma de reconhecimento por aquilo que o nosso dinheiro pode comprar. Ao passo que percebemos a busca pela felicidade como uma das tantas obrigações de nossa rotina atual, ela tornou-se mais um critério de avaliação de nossas vidas comparada com a vida dos demais seres que vivem no planeta.
A corrida pela felicidade é mais uma competição do mundo capitalista, voltada para obtenção de uma resposta externa para uma pergunta que vem acompanhando a existência humana há muito tempo: o quanto vale a pena a vida vivida? Ser suficiente, ou parecer ser reconhecido pelos outros como alguém que importa para o mundo, faz com que percebamos nossa vida como algo que corre o risco de não ser reconhecida pelos demais. Pretendemos merecer atenção alheia e é somente isso que merecerá todo o esforço em nos mantermos vivos, saudáveis e em plenas condições de seguir vivendo, fazendo nosso papel como habitantes da Terra. Porém, se colocamos essa responsabilidade de nos dizer o quanto valemos nas mãos dos outros, ou pior, nas de outras coisas e objetos que a sociedade consumista nos proporciona, também deixamos de perceber que esse valor e essa felicidade jamais conseguem ser alcançados de forma plena. Já que o externo jamais dará a resposta que esperamos, há sempre uma esperança acompanhada de uma frustração.
Deixamos de ser os donos de nossas próprias vidas, de dar as cartas e refletir sobre o que de fato nos faz feliz! Passamos a preencher nossos dias com coisas e pessoas que aparentam ser o caminho para a nossa felicidade, mas que, na verdade, nos distanciam ainda mais de uma vida realizada. Confunde-se a realização essencial de uma vida com a realização material proposta pelo universo capitalista da demanda e procura, onde de tanto procurarmos pela felicidade, ela se tornou mais um produto disposto nas prateleiras que aos montes desperta o interesse de nossos esforços diários. Aceitamos trabalhos e fontes de renda que nos aprisionam na forma de eternos produtores, em nome de uma crença de que só seremos felizes quando conquistarmos o maior número de posses materiais que pudermos conseguir. Como consequência dessa busca desesperada, sacrificamos as nossas relações interpessoais, onde cada um se transforma em um instrumento para obtenção de uma satisfação individual de nós mesmos.
Para fazermos uma análise a respeito da felicidade e o consumo no sex. XXI, retomaremos aquilo que Aristóteles, em Ética a Nicômaco (considerado ser o primeiro tratado “científico” sobre ética), nos apresenta por “vida boa”; algo diferente do que corresponde ao consenso social. O primeiro princípio do pensamento ético de Aristóteles é que o homem, como todas as espécies, tem um τέλος (telos é pressuposto ontológico tanto na physis quanto na Ética), um estado de realização ou consumação. Aristóteles identifica este telos com a vida boa, ligado diretamente ao conceito de eudaimonia, que em Ética a Nicômaco é conceituada como fim de toda a ação humana, alcançada através da αρετή (virtude ou excelência de caráter). Ao longo de nossa jornada é através do hábito virtuoso que seremos capazes de qualificar nossa existência como feliz ou infeliz.
Uma investigação a respeito da felicidade no século XXI passa necessariamente pelos nossos relacionamentos de consumo e, consequentemente, por uma retomada aos valores atribuídos à ética das virtudes, como: moderação, benevolência e altruísmo conforme a visão aristotélica de amizade. A necessidade da solidificação de um caráter pautado por hábitos virtuosos surge como norteador de uma reflexão filosófica dos tempos que estamos vivendo, de como percebemos a nossa busca pela realização pessoal, o que dá sentido à nossa existência e como fazer isso considerando preceitos éticos e morais. Os questionamentos que nortearam esta pesquisa podem ser postos do seguinte modo: por quê nos conformamos em buscar necessariamente nos bens exteriores a nossa felicidade? Será que a retomada de uma ética das virtudes, que coloca o agir moral como resultado do caráter habituado na prática do bem, não seria de extrema importância para tentarmos estabelecer uma relação moralmente virtuosa entre nossos desejos e necessidades de consumo sem deixar que isso se transforme em um vício?
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