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Iris Young: Subjetividade e opressão de gênero a partir do corpo gestante

Atualizado: 28 de jun. de 2020

CAROLINA ANTONIAZZI (USP)

carolina.antoniazzi@usp.br

Dissertação de mestrado

Data prevista de defesa: 16/12/2021


A pesquisa tem como objetivo investigar o lugar no mundo do sujeito gestante como paradigmático para desvelar aspectos da experiência subjetiva, além de determinadas opressões. Paradigmático pois irrompe fronteiras, nuances e abre espaço para camadas diversas de experiência ao abarcar e esfacelar categorias, bem como ao colocar em xeque o papel social e político da mulher. A pesquisa tem por baliza a obra de Iris Young que, pelo viés do estudo fenomenológico do corpo próprio, descreve a experiência vivida desse sujeito, ao mesmo tempo em que lança um olhar social para esta posição que abarca não somente o momento da gravidez, mas também o modo como se estruturam as sociedades e os saberes em torno deste fenômeno. Por um lado, a fenomenologia do sujeito gestante descreve aspectos da corporalidade, tais como as fronteiras entre o interior e o exterior, a imanência e a transcendência, revelando que estes são menos precisos do que se poderia imaginar inicialmente. Por outro lado, Young se propõe um engajamento crítico por meio do estudo da corporalidade gestante, tal como esta interage com o mundo a sua volta, e pelo desvelamento de estruturas que possibilitam opressões e relações de poder entre grupos determinados socialmente. É possível analisar, então, como a estrutura social pode incidir sobre a experiência do corpo gestante e como a descrição fenomenológica desse corpo traz à tona opressões vividas no interior de uma sociedade onde elas vigoram e são estruturadas de modo generificado. Por trabalhar com a categoria de corpo vivido, Young pode dar centralidade a aspectos da subjetividade da mulher que, por uma tradição do pensamento baseada no corpo masculino (adulto e saudável) como regra, antes não era possível. A importância de analisar a subjetividade da mulher acerca de vivências que o seu corpo pode lhe proporcionar é demonstrar, além do quão pouco se sabe sobre isso, o quanto o discurso predominante na sociedade tende a ser distinto e, muitas vezes, contrário ao que o próprio sujeito pode aperceber. Isso reflete a desvalorização da experiência do corpo vivido, oprimindo-o e dessubjetivando-o. É por esse motivo que Young pode afirmar que a gravidez parece não pertencer ao sujeito que a vivencia. É do interesse de todos (menos da mulher) expressar sua opinião, estabelecer regras e leis sobre a gravidez: aquela que carrega uma criança no ventre, nada mais é do que um contêiner, como diz Young. Sua posição de fala no espaço público é certamente desconsiderada, quando deveria, ao contrário, ter o maior peso. O discurso médico, a igreja e as instituições governamentais - que, observe-se, são majoritariamente compostos por homens, tendo em vista a dinâmica da hierarquia de gênero - possuem maior poder decisório, mais espaço de fala pública do que a própria mulher quando se trata de discutir assuntos relativos à gravidez. Isso se deve, certamente, a toda uma organização estrutural baseada no patriarcado, refletida na desigualdade de gênero, assimetrias econômicas, raciais e sociais diversas. A sociedade se desenvolveu de tal forma que pratica - e praticou - um controle sobre o corpo da mulher (além do controle reprodutivo), através de instituições e normas sociais, fazendo com que sua experiência única e subjetiva seja invalidada. O uso do conceito de corpo vivido é sagaz pois respeita a singularidade de cada sujeito, o qual possui uma vivência única que, porém, não pode ser dissociada das relações externas. Ou seja, ao mesmo tempo em que é possível que cada experiência não seja generalizada - cada corpo é um corpo em situação -, não se perde de vista o recorte de campos de opressão, que nos permite pensar uma configuração social estruturada em grupos. A subjetividade desse corpo e as estruturas sociais que o cercam estão em movimento, comunicando-se e influenciando-se o tempo todo. É por isso que Young não abandona o conceito de gênero, debate posto por teorias feministas atuais. E, ao retê-lo, reposicionando-o, nos remete a fatores sociais e estruturais, sendo possível que se perceba o quanto essas condições incidem sobre a experiência e influenciam o corpo vivido, em especial, o corpo gestante. Toda essa discussão nos obriga a uma análise mais profunda da condição da mulher na sociedade para que possamos entender a quais tipos de opressão ela está sujeita, como essas operam sobre seu corpo e em que medida se exerce aí a liberdade. Young analisa também questões sobre justiça, políticas da diferença e o entrecruzamento de opressões que são vividas pela mulher no seio da sociedade; não haveria, para ela, uma pungência de um tipo de opressão sobre outra; elas podem se somar, tendo todas a sua devida importância. A gravidez é exemplar no sentido de conseguir abarcar diversos aspectos num só tema: relações generificadas, desigualdades econômicas, sociais, políticas, de raça, religiosas e civis. A questão que nos colocamos, entretanto, é a seguinte: seria possível haver uma igualdade de gênero (e, portanto, econômica, social, política, civil) num contexto em que as mulheres são encarregadas desse papel da procriação? A reprodução é um direito ou um dever da mulher em nossa sociedade? Há de fato uma livre escolha em relação a isso? Mesmo que a resposta a essa última pergunta seja positiva, como se dá a experiência da maternidade? Haveria alguma forma ou meio no qual, ainda cabendo esse papel à mulher, essa diferença de privilégios entre homens e mulheres seja desfeita? A gravidez pode, em alguma instância, não ser alienada do sujeito que a vivencia? Tendo em perspectiva tais problemas, nossa pesquisa pretende analisar a obra de Young uma vez que sua descrição da gravidez e suas discussões acerca da estruturação social da opressão de gênero lança um novo olhar para esse momento específico do corpo gestante. Por um lado, valer-se da fenomenologia para empreender um estudo feminista é de grande astúcia uma vez que tira o corpo do mero campo biológico e o coloca na existência; a subjetividade então é encarnada e cada corpo é singular. Por outro lado, Young não abandona a teoria social. Se de um lado há certo reconhecimento e afirmação do sujeito que engravida e, como diz Young, seu objetivo é trazer certo prazer para esse estado, bem como colocar às claras o quanto o processo da gravidez é alienado do sujeito que a sustenta, por outro lado, há um questionamento da função da procriação como meio de opressão que se enraizou e sempre existiu em qualquer sociedade que se possa imaginar. Nosso objetivo é tanto abordar esse problema do ponto de vista da descrição fenomenológica do corpo vivido quanto do ponto de vista social.



 

A coluna Em Curso divulga as pesquisas de pós-graduandas na filosofia para contribuir para a visibilidade das pesquisas de filósofas no Brasil. Quer publicar a sua pesquisa? Basta preencher o formulário. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #emcursofilósofas #filosofasbrasil #IrisYoung #corpogestante #subjetividade #opressao #mulhreresnapesquisaemcurso #autora


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