Rayane Batista de Araújo (UFRJ)
Tese de Doutorado
Orientador: Daniel Simão Nascimento
Data prevista de defesa: 25/07/2023
O objetivo da tese é abordar o fenômeno da representação política a partir de um ponto de vista filosófico tendo em vista buscar os seus fundamentos, sua legitimidade e sua normatividade. A principal pergunta que orienta a pesquisa é: o que significa representar e o que significa ser representado politicamente? Nós nos fazemos essas perguntas com o objetivo de definir o que é o direito de representar e o que é o direito de ser representado para que possamos então usar a nossa resposta como parâmetro para julgar a representação política como ela de fato acontece. De início, nós propomos formular o problema da representação política a partir do conceito de função de status de John Searle. Seguindo a teoria de Searle (2003), buscamos pensar a representação política enquanto uma função que estabelece direitos e deveres e que é atribuída (inter)subjetivamente por uma comunidade política como um todo. No entanto, para pensar a questão da representação política nesses termos, nós recorremos não à obra de John Searle, mas sim aos escritos de Jean-Jacques Rousseau.
A nossa escolha de interlocutor precisa ser justificada porque não se trata de uma escolha óbvia. Em primeiro lugar porque Rousseau é um autor moderno que antecede o surgimento das democracias representativas e que exclui completamente as mulheres e outras minorias da política. Em segundo lugar porque Rousseau é reconhecidamente um grande crítico da representação. O nosso argumento é o de que, apesar de não comtemplar todas as camadas de significado que o conceito de representação adquiriu ao longo dos anos, apesar de anteceder o surgimento das democracias representativas, e de excluir as mulheres e outras minorias da política e de ser um crítico da representação (especialmente no âmbito da soberania), Rousseau é um autor que, sobretudo em Do contrato social ou princípios do direito político (2020) – originalmente publicado em 1762 –, fabrica ferramentas conceituais que nos permitem medir o grau de legitimidade do exercício do poder dentro de uma comunidade política. Além disso, defendemos que Rousseau contribuiu para a formulação de um sentido de representação democrática de grande importância contemporânea, a saber, o seu sentido substantivo, segundo o qual os representantes só representam politicamente quando avançam políticas públicas que interessam e beneficiam os representados.
O nosso objetivo, portanto, não é atualizar a teoria rousseuaniana de representação, nem de salvar nem condenar Rousseau, mas sim de nos servir de seu pensamento para pensar o problema da representação hoje. Em linhas gerais, Rousseau rejeita a possibilidade de representação na esfera da soberania, isto é, no espaço de criação da lei (poder legislativo), porque, uma vez que ele define a soberania enquanto o exercício da vontade geral e uma vez que nenhuma vontade é transmissível ou alienável, segue-se que a soberania não pode ser representada. Porém, apesar da sua crítica à representação na esfera da soberania, há em Rousseau uma defesa da representação na esfera do governo, isto é, no espaço de positividade da lei (poder executivo), defesa esta que nem sempre é lembrada pelos comentadores e, quando lembrada, é normalmente reduzida a uma espécie de mandato imperativo.
Nós entendemos, no entanto, que uma tal interpretação dissolve o problema político, tão enfatizado pelo filósofo, da necessária submissão do Governo ao Soberano. De fato, Rousseau aborda o problema de como submeter a vontade do corpo do Governo e também a vontade individual dos governantes à vontade geral no livro III do Contrato Social. Trata-se de um problema fundamental na política porque o governo, não importa o quão bem desenhado institucionalmente, tem o potencial para destruir o Estado por dentro, subvertendo o pacto social. Pois, quando o governo se torna independente da vontade geral e deixa de administrar o Estado segundo as leis, ele transforma a liberdade dos cidadãos fundada pelo pacto de associação em servidão.
O nosso argumento na tese é o de que os méritos da concepção de representação de Rousseau são (1) limitar a representação à sua função e (2) nos ajudar a pensar a representação substantiva. Segundo tal concepção, o representante só representa quando as suas ações atualizam os princípios que fundaram o pacto de associação cuja regra geral é a vontade geral. Quando o representante não segue a vontade geral ou, em outras palavras, quando ele não visa o interesse comum ou, ainda, quando o representante enxerga na representação não uma função, mas uma condição privilegiada para fazer valer a sua vontade individual e ou de corpo, ele corrompe os princípios de fundação do corpo político e assim corrói o Estado por dentro.
Bibliografia referida:
ROUSSEAU, J.-J. Do contrato social ou princípios do direito político. Trad. Ciro Lourenço Borges Jr. e Thiago Vargas. In Escritos sobre a política e as artes. São Paulo: Ubu Editora; Editora UnB, 2020, p. 495-649.
SEARLE, J. Social Ontology and Political Power. In SCHMITT, F. Socializing metaphysics: the nature of social reality. Rowman & Littlefield Publishers, Inc., 2003, p. 195-210.
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