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  • Marcha pela ciência e a valorização da educação e da pesquisa públicas no Brasil

    Thayná Monteiro Rebelo Aluna do Curso de Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA). Integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. Loiane Prado Verbicaro Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em parceria com universidades, instituições de pesquisa, entidades científicas, professores e estudantes, organizaram a Marcha Virtual pela Ciência no Brasil, que se realizará amanhã, dia 07 de maio, com a finalidade de ressaltar a importância da ciência, tecnologia e inovação no enfrentamento da pandemia do Covid-19, bem como de discutir os efeitos da crise sanitária na sociedade, na economia e no sistema de saúde, promovendo um diálogo entre pesquisadores do país por meio das redes sociais e do Portal da SBPC. O objetivo é a necessária valorização das ciências como forma de combate à pandemia e de suas principais consequências nas diversas esferas da vida, especialmente em um país tão desigual como o Brasil, em que os impactos do novo coronavírus recairão em maior medida na população mais pobre e nos grupos mais vulneráveis. Dessa forma, discutir essas temáticas por meio de pesquisas e estudos é fundamental para o devido enfrentamento, afastando-se do negacionismo científico e de “achismos” infundados, inconsequentes e levianos. O cenário de combate ao Covid-19 no país é ainda mais sensível em decorrência dos constantes cortes de verbas nas ciências, nas universidades, nos laboratórios, bolsas de estudos, insumos, com uma pauta de intensa desvalorização do conhecimento científico, o que permite que discursos ideológicos baseados em “gurus” estejam em voga, ganhando espaço em detrimento do conhecimento sério e rigoroso da ciência. No entanto, mesmo diante da crescente depreciação da educação no país, é importante registrar que as universidades públicas brasileiras estão na linha de frente do combate ao novo coronavírus, com destaque internacional. A Marcha Virtual pela Ciência também visa reiterar a importância do documento “Pacto pela Vida e pelo Brasil,” elaborado pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns (Comissão Arns), Academia Brasileira de Ciências (ABC), Associação Brasileira de Impressa (ABI) e SBPC. O Pacto ressalta a importante colaboração dos entes federativos e sociedade civil ao combate da pandemia, a defesa do isolamento social e da formulação de políticas públicas, especialmente visando atender aos grupos sociais vulnerabilizados. Além disso, o documento prima pela valorização da ciência, com a finalidade da promoção de diálogos sérios e propositivos ao enfrentamento do vírus. O evento destaca como principais discussões a defesa do isolamento social, medida recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e sociedades médicas e científicas, os cortes dos recursos à ciência, tecnologia e inovação no país, a precariedade dos sistemas de saúde e educação e a necessidade de criação de medidas ao combate à crise econômica, tendo por base o respeito e atenção às populações mais pobres e vulneráveis, como forma de não acirrar as desigualdades sociais e econômicas já existentes. As melhores respostas à pandemia do novo coronavírus em seus aspectos sanitários, sociais, políticos, econômicos, jurídicos, humanitários, só podem ser encontradas a partir de pesquisadores, suas universidades e centros de pesquisa, com a união de esforços das diversas áreas de conhecimento, de acordo com um projeto integrado, capaz de refletir à luz de todas as complexidades envolvidas. Nesse sentido, é importante dizer, ainda que seja o óbvio, que em um projeto fortalecido e democrático de educação e de sociedade deve haver a valorização da diversidade dos domínios do conhecimento: ciências exatas e da terra, biológicas, da saúde, engenharias, agrárias, linguística, letras e artes, sociais e humanas. Um especial destaque à área de humanidades tão estrategicamente espezinhada e tachada como inútil. As humanidades (e a filosofia em especial) promovem o pensamento crítico e reflexivo opondo-se ao processo de instrumentalização econômica, permitindo a humanização da humanidade, contra a desertificação que sufoca o espírito e leva a barbárie. É pelas humanidades e também pelas ciências sociais que discutimos desigualdades estruturais e seus marcadores de opressão, raça, classe, gênero, como forma de contribuir para a elaboração de políticas públicas à construção de uma sociedade mais justa, livre de preconceitos e igualitária. É por intermédio desses estudos que podemos refletir sobre os impactos e consequências da pandemia com o deslocamento do ordinário e o recrudescimento de problemas sociais, políticos, econômicos e éticos preexistentes que, em momentos pandêmicos, são agravados, tais como: o aumento da violência e da opressão de gênero; a insuficiência do neoliberalismo enquanto sistema de acumulação que acena ao esgotamento da ideia de democracia como norma política; a fragilidade dos direitos humanos, com especial destaque à precarização das relações trabalhistas e dos serviços públicos de saúde e ao aumento da pobreza diante da persistência de uma agenda de austeridade e de medidas que maximizam a importância do mercado e os imperativos de eficiência em detrimento das diretrizes e recomendações científicas, do ser humano e de políticas sociais e de igualdade. As Portarias nº 34 da CAPES e nº 122 do CNPq de 2020 revelam a tacanhez do projeto educacional no país, com o esfacelamento da cultura e das distintas lentes e perspectivas de construção de saberes a partir da diversidade e complexidade dos problemas humanos. O fortalecimento das universidades públicas e dos sistemas sociais e de saúde viabilizam a adequada infraestrutura para o avanço da cultura, ciência, tecnologia e inovação, com a proteção de vidas e o aumento do bem estar humano e social. A política de austeridade fiscal projetada para financiar cortes de benefícios sociais e de direitos, bem como para promover a descontinuidade de programas e pesquisas científicas em razão das reiteradas reduções orçamentárias às universidades e dos ataques à educação e à autonomia universitária, com o desmonte dos sistemas públicos saúde, agrava significativamente a profunda crise que estamos vivendo. O respeito à ciência afasta a crença em fórmulas mágicas ou soluções messiânicas que têm sido tão propagadas com fake news e posturas execráveis como a do Presidente dos Estados Unidos Donald Trump que recomendou detergente para curar o coronavírus, o que gerou intoxicação em vários norte-americanos. Repreendido, disse o presidente que estava sendo sarcástico. Inadmissível também é a defesa apaixonada do Presidente do Brasil Jair Bolsonaro para o uso de medicamentos sem comprovação científica de eficácia; bem como suas falas em cadeia nacional minimizando a pandemia ao equipará-la a uma “gripezinha”; as reiteradas atitudes de desdém às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), ao chamar o povo de volta ao trabalho com discursos agradáveis à racionalidade econômica segundo os quais “pior que o medo da epidemia deve ser o medo do desemprego”; as constantes reuniões em aglomerações e ainda sem o recomendado uso de máscara protetora; e suas reiteradas manifestações de abominosa indiferença aos números crescentes de mortes com o seu infando “E daí?”. Mais do que irresponsabilidade, é um insulto à valorização da vida e à ciência. A pandemia tem sido fortemente politizada. Conviver com a mazela sanitária, com o profundo luto e fragilidade da nossa existência tem sido um desafio e um momento de inflexão para a nossa civilização. Associar esse momento a todas as irresponsabilidades, desmandos e acirramentos políticos e ideológicos torna-se ainda mais dramático. A politização da pandemia enfraquece a valorização da ciência como o caminho seguro para nos guiar em meio a tantas incertezas e desesperança. Exemplo estapafúrdio encontramos na fala do Ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, ao referir-se ao vírus como disseminador estratégico do comunismo, denominando-o de “comunavírus”. No Brasil, a politização do Covid-19 ganha proporção assustadora, caminhando ao lado de teses negacionistas e em descompasso com a ciência. Infelizmente, a luta não é apenas contra o vírus. É também contra a insuficiência da nossa rede hospitalar em razão dos reiterados cortes de verbas à saúde e à pesquisa científica, fruto da agenda de austeridade fiscal e do descaso com a educação e com a vida; é contra a crise social, política, econômica e humanitária que precariza ainda mais vidas já precarizadas. É preciso vir aqui para reafirmar o óbvio civilizatório: a educação, a pesquisa e as universidades, contra a tragédia do obscurantismo, da indiferença e da barbárie. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofaemquarentena #politizaçãodapandemia #fiqueemcasacomaciência #paCTopelavida

  • Feminismo Negro por Halina Leal: terceira aula do curso online de Introdução ao Feminismo

    Assista aqui. Halina Leal apresenta o feminismo negro e o conceito de interseccionalidade, além de explicar a necessidade de novas epistemologias a partir do processo de auto-definição e empoderamento das mulheres negras. Essa é a terceira aula do curso online de Introdução ao Feminismo oferecido pela Rede Brasileira de Mulheres Filósofas sob a organização de Rita Machado (UEA). Veja o programa e curso e a bibliografia em www.filosofas.org/cursofeminismo. Halina Macedo Leal é Bacharel em Filosofia pela UFRGS (1998), Mestre em Filosofia pela UFSC (2001) e Doutora em Filosofia pela USP (2005), com estágio na Universidade de Stanford, Califórnia. Possui Pós-Doutorado em Filosofia pela UNIOESTE (2014). Professora da FURB e líder do GENERA - Grupo Interdisciplinar de Pesquisas em Gênero, Raça e Poder, FURB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5698575555739025 https://youtu.be/0DyJNZlvWeA Assista a aula aqui. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofasbrasil #introducaoaofeminismo #feminismonegro #halinaleal

  • O avanço do retrocesso e a precarização das relações de trabalho

    Yasmin Dolores de Parijós Galende Mestra em Direitos Humanos pelo Centro Universitário do Pará (CESUPA). Professora da Faculdade Estácio de Castanhal – Pará. Integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. Loiane Prado Verbicaro Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. Ainda que o presente milênio seja marcado com graves epidemias, como a gripe espanhola, do início do século XX, que chegou a contaminar 500 milhões de pessoas, com estimativas de até 50 milhões de mortos; os surtos altamente infecciosos e mortais do ebola na África; os quadros respiratórios e infecciosos agudos de gripe suína e de H1N1; entre outras enfermidades de elevado contágio e morbidade, jamais vislumbraríamos, no século XXI, que o mundo pararia diante de uma avassaladora pandemia do novo coronavírus, deixando cidades inteiras quase suspensas em suas atividades comerciais, artísticas, culturais, políticas, esportivas, lúdicas, escolares e trabalhistas. Segundo a antropóloga Lilia Schwarcs, provavelmente, a pandemia inaugurará uma nova era e será conhecida como o marco para o fim do Século XX, com todas as possíveis mudanças e rupturas que poderão advir desse momento. Esse cenário inimaginável, que implementa um clima de guerra, medo e incertezas diante da devastidão da doença e da constatação da fragilidade da vida, tem permitido uma ampliação das nossas lentes para uma melhor leitura dos problemas preexistentes que, em tempos epidêmicos, são agravados. O fato é que as condições de desigualdade socioeconômica do país, com 50 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha demarcatória da pobreza, correspondente a 25% da população, conforme dados do Banco Mundial, associadas a precárias políticas pró-cíclicas de programas discricionários assistenciais de combate à pobreza, que são notoriamente insuficientes para a garantia de um mínimo de dignidade, e a uma agenda perversamente desumana, com medidas liberalizantes e baseadas na austeridade fiscal e no desmonte da proteção trabalhista e da rede de cuidado social, têm gerado o agravamento dessa desigualdade e outras consequências dramáticas, especialmente às camadas que constituem a base da pirâmide, que são os mais afetados em momentos epidêmicos. Hoje, dia 1º de maio de 2020, dia internacional do trabalhador, dedicaremos esse breve texto a algumas reflexões sobre o avanço do retrocesso e o agravamento da precarização das relações trabalhistas no Brasil, com enfoque nas medidas que vêm sendo adotadas pelo Governo brasileiro em descompasso com a proteção dos direitos dos trabalhadores. Inicialmente, é premente demarcar que os direitos constitucionalmente assegurados aos trabalhadores brasileiros vêm sofrendo duros golpes no país desde a reforma trabalhista realizada em 2017, no Governo Temer, que, ademais de fragilizar a proteção social trabalhista, passou a implementar uma versão excepcionalmente excludente do neoliberalismo, ao priorizar uma agenda de supressão de direitos sociais e contenção dos gastos públicos, diretrizes essas seguidas e reforçadas pelo atual governo Bolsonaro, com impactos corrosivos na rede de proteção social. Assim, a reforma trabalhista já havia instaurado modificações na legislação que acabaram por incentivar a precarização das relações de trabalho, prejudicando o trabalhador tanto em seus direitos materiais quanto na possibilidade de recorrer a ferramentas processuais para reivindicar direitos perante a Justiça do Trabalho. Exemplificando, com a justificativa de combater o desemprego, criou novas formas de contratação que reduziram os custos ao empregador a partir da diminuição da proteção ao trabalhador, medida que no plano prático apenas resultou no aumento gravoso da informalidade. Também tornou-se mais difícil ao empregado procurar reparação de seus direitos violados, pois o processo ficou mais caro ao trabalhador – mesmo aqueles considerados hipossuficientes passaram a pagar algumas custas do processo e, na hipótese de improcedência do pedido, a pagar também honorários ao advogado da empresa, mesmo que reconhecidamente não tenham condições de sustentar-se com dignidade, o que fez o número de ações trabalhistas diminuir drasticamente. Ademais, outras medidas foram adotadas como a quantificação da reparação por danos morais proporcional ao salário do empregado, mantendo, assim, a cadeia de privilégios socioeconômicos. A lei reformada também garantiu o desmanche da proteção social coletiva ao relativizar o pagamento das contribuições sindicais pelo empregado, o que fez diminuir a arrecadação sindical e, consequentemente, a sua força de atuação e reivindicação. Outrossim, em meio à pandemia, as medidas de flexibilização das relações laborais foram reforçadas por meio de atos unilateralmente produzidos pelo atual Presidente da República, a exemplo da Medida Provisória (MP) nº 927, apelidada de MP do extermínio, que, ao priorizar patrões e empresários, estabeleceu a possibilidade de suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses. Sob forte pressão de diferentes setores da sociedade, o Presidente retrocedeu em menos de 24 horas, revogando essa possibilidade. Ainda que tenha retrocedido na decisão, esse fato sinaliza a manutenção do ímpeto de flexibilização e supressão dos direitos trabalhistas. Ainda assim, desde a instauração do estado de calamidade pública decorrente do COVID-19, o Governo Federal continuou editando uma série de Medidas Provisórias (nº 927, 936, 945, 946, entre outras) sobre o novo tratamento das relações de trabalho, deixando nítida a prevalência dos acordos individuais realizados entre o patrão e o empregado em detrimento das negociações coletivas, mesmo em matérias nas quais a Constituição Federal exige maior proteção ao trabalhador. Em novo exemplo, algumas das alterações envolvem: a possibilidade de o empregador antecipar as férias do trabalhador (inclusive outros períodos futuros de férias), sem precisar realizar o pagamento antecipado da remuneração, podendo este valor ser pago no mês seguinte ao gozo das férias, e ainda sem o acréscimo de 1/3 do salário sobre as férias previsto pela Constituição, este podendo ser pago até dezembro de 2020; a possibilidade de constituição de um banco de horas no qual as horas que o trabalhador não laborar durante o período de quarentena serão compensadas posteriormente com períodos em que ele trabalhará com prorrogação de jornada em até dez horas diárias, compensação esta que poderá ser determinada pelo empregador independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo; e uma das mais gravosas, prevista pela MP nº 936: a possibilidade de o empregador reduzir o tempo das jornadas de trabalho do trabalhador, com a consequente redução do salário correspondente em até 70% do seu valor, feito por simples acordo individual, quando a Constituição Federal expressamente prevê que qualquer alteração no salário do trabalhador deve ser feita por negociação coletiva, uma vez que estas verbas servem para o sustento e a manutenção da sobrevivência minimamente digna do indivíduo, e por isso demandam maior proteção contra negociações arbitrárias. Essa infringência à proteção trabalhista foi legitimada, inclusive, pelo Supremo Tribunal Federal que, em controle de constitucionalidade da MP 936, ratificou a possibilidade de alteração salarial sem negociação coletiva, deixando o trabalhador em uma situação incontornável de assimetria, desequilíbrio e vulnerabilidade. A justificativa para essas medidas é a manutenção do emprego e da renda. No entanto, a realidade é que elas ampliam a fragilidade do trabalhador em face do interesse empresarial, bem como escancaram as estratégias de assujeitamento em conformidade às normas que reverberam no dispositivo de poder neoliberal, cujo objetivo é ampliar os preceitos do individualismo e da economia de mercado para além da estratégia econômica, tornando-se uma forma de constituição dos próprios sujeitos. Para garantir que o mercado seja, de fato, o mecanismo regulador da população, é preciso que suas premissas estejam inscritas na constituição dos sujeitos políticos e nas mais diversas esferas da sociabilidade, portanto os principais pilares desta governamentalidade neoliberal estão na criação de uma sociedade concorrencial e no empresariamento da vida, em que o indivíduo se torna “empresário de si mesmo” e sua vida passa a ser compreendida enquanto capital humano. Nesta medida, a norma de conduta passa a ser a concorrência interindividual, sustentada por regimes econômicos de desmanche das conquistas e das instituições garantidoras dos direitos sociais, bem como das proteções coletivas aos trabalhadores; pelo incentivo à meritocracia; a precarização (ou uberização) das relações e legislações trabalhistas; entre outras medidas que criam novas formas de subjetivação isentas de preceitos de solidariedade e redistribuição, formando aí um indivíduo (neossujeito) autocentrado e egoísta, que se relaciona consigo e com os outros nos mesmos moldes do concorrenciamento empresarial, e sob a similar lógica da prosperidade a partir do lucro. O neoliberalismo atua de modo vigilante, sempre a favor do mercado. Nesse sentido, se setores estratégicos apresentarem sinais de instabilidade, o Estado os socorre, bancando os riscos da atividade econômica, afinal, são “too big to fail” e, portanto, dignos de ajuda estatal, ainda que isso represente um keynesianismo de resgate dispendioso às custas das massas empobrecidas. A estratégia neoliberal não é econômica sem ser ao mesmo tempo subjetiva. Ela espraia-se a todas as esferas da vida, determinando que os indivíduos se vejam como empresas de máxima performance. É a figura do neossujeito, indivíduo que foi levado a crer que irá ascender economicamente mediante o seu próprio esforço individual e que ao se submeter a formas de trabalho precarizadas que não reconhecem seus direitos trabalhistas mínimos – ou que sequer reconhecem na sua atividade uma relação de emprego, como é o caso dos motoristas de Uber e daqueles vinculados a aplicativos de entrega de produtos e alimentos – estaria assumindo os riscos do empreendedorismo, dispensando a proteção trabalhista e naturalizando a precarização e o consequente desamparo da proteção social. Para o sujeito neoliberal, o individualismo concorrencialista e meritocrático é a fórmula que rege todas as suas relações, de modo que quaisquer falhas na dinâmica laboral e no sucesso individual são atribuídas à sua própria incompetência, infortúnio ou malogro. Desta feita, o Estado desincumbe-se da proteção social, apostando na defesa da ampla liberdade de mercado com rígidos limites ao uso estatal para fins de política social e oposição aos esquemas de tributação redistributiva, nos moldes de um capitalismo irrestrito sem compromissos sociais como o único capaz de garantir trocas livres. No cenário de crise aguda da pandemia, há preocupações trabalhistas, além das já mencionadas, que podem parecer de somenos importância, mas que merecem atenção, como os novos formatos emergenciais dos contratos de trabalho em época de isolamento social, reforçando as premissas flexibilizadoras da proteção social, além de outras que ensejam um olhar cuidadoso, a exemplo da substituição das jornadas de trabalho presenciais pelo teletrabalho (home office). Nos regimes de trabalho à distância, a vigilância imediata dos corpos é substituída por um regimes de metas, pela disposição do trabalhador ao empregador em tempo integral por via das redes virtuais de comunicação, sem proteção expressa aos intervalos intrajornada, horas extraordinárias, entre outros direitos, o que se agrava ainda mais quando a trabalhadora (mulher) acumula as funções da reprodução social do cuidado com as tarefas laborais, gerando uma sobrecarga excessiva de trabalho, com consequências à saúde emocional e psicológica. Trata-se da divisão sexual do trabalho que estrutura não somente a reprodução do capital, mas também a distribuição das funções e dos papéis sociais. O neossujeito é ludibriado pela lógica do “empreendedor de si” e acredita que precisa se adaptar a quaisquer ditames do sistema econômico para ter sucesso e ascensão individual, e desse modo se torna um corpo dócil que acata as alterações impostas pelas instituições de governo às suas relações de trabalho, sem perspectiva segura de que tais alterações serão posteriormente revertidas ou compensadas. São indivíduos que aderem a essas premissas com todos os riscos e impactos que podem advir para a sua vida, saúde e proteção, ainda mais acentuados diante da pandemia e do (des) governo presidencial que se vale de medidas de precarização das relações de trabalho em nome da realização de sua política liberalizante. Todo esse cenário é agravado com a crise econômica no mundo e, em especial, no Brasil que, segundo relatório do Banco Mundial, provocará uma retração em torno de 5%, com impactos no número expressivo de desempregados, em torno de 25 milhões, com o consequente recrudescimento da pobreza e desigualdade, o que acena ao fortalecimento de uma agenda de austeridade, reformas e ajustes estruturais de retração do Estado para a recomposição e compensação dos prejuízos amargados, o que, invariavelmente, vem acompanhado de um discurso de modernização do Estado, com potencial de inovação, liberdade e diretrizes de eficiência administrativa. Atrás da fachada democrática e de inovações econômicas, sociais e institucionais há o reforço de um histórico de desigualdade e violência, com o aumento da vulnerabilidade, iniquidade e fratura social, e onde o direito se torna mais um dos instrumentos de concretização do neoliberalismo e das desigualdades historicamente construídas e sistematicamente firmadas no Brasil. Vê-se, portanto, no Brasil, o avanço do retrocesso, com a degradação das condições de trabalho e a retirada de direitos trabalhistas, inscrevendo-se no processo de profunda ruptura civilizatória em que a democracia como igualdade e autonomia submergem diante da versão da barbárie de uma “democracia” como riqueza sem limite e poder sem constrangimento de afronta. P.S. Registramos com alegria a criação do Grupo de Pesquisa “Novas formas de trabalho, velhas práticas escravistas”, coordenado pelas Professoras Suzy Koury (Cesupa) e Valena Jacob (UFPA), com a colaboração do pesquisador Prudêncio Neto (UFPA). Uma pauta de pesquisa tão necessária quanto urgente em tempos de precarização das relações de trabalho que nos remete ao autoritarismo instituído pela escravidão, o qual tratamos de reproduzir contemporaneamente. Para mais informações: gpnovasformasdetrabalho@gmail.com. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofaemquarentena #avançodoretrocesso #precarizaçãodotrabalho REFERÊNCIAS DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A Nova Razão do Mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. 1ª ed. São Paulo: Boitempo, 2016. FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica: curso dado no Collège de France (1978-1979). Tradução Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2008. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Tradução Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999. LEMKE, Thomas. Foucault, governamentalidade e crítica. Tradução de Eduardo Altheman Camargo Santos. PLURAL, Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v. 24.1, 2017, p. 194‑213. SANTOS, Wanderley Guilherme. A Democracia impedida. O Brasil no século XXI. Rio de Janeiro: FGV, 2017. SCHWARCS, Lilia. 100 dias que mudaram o mundo. Entrevista publicada no Universa, em 5 de abril de 2020.

  • Filosofia e Pandemia

    Recentemente o jornal Folha de SP publicou uma matéria para informar o público a respeito do que “os grandes filósofos estão dizendo sobre o coronavírus”. Filipe Campelo, professor da UFPE, reagiu à seleção de nomes, reclamando, com toda razão, da ausência de brasileiros na lista, sinal de uma “injustiça epistêmica”. Estou plenamente de acordo com ele. Contudo, eu não rechaço apenas o protagonismo majoritariamente europeu/norteamericano, mas também o enorme desequilíbrio de gênero e de raça reiterado pela lista: dos 16 nomes citados, apenas duas mulheres – Naomi Klein e Judith Butler – além de Paul Preciado, nenhuma negra. Se há uma “injustiça epistêmica”, nas palavras de Filipe Campelo, ela é mais perversa do que parece à primeira vista e também se nos contentarmos em denunciar a ausência de “brasileiros”. Nesta entrevista para o Caio Souto no programa “Conversações Filosóficas", eu aceito o debate proposto pelo Filipe e sugiro que sejamos ainda mais ousados no enfrentamento do problema, afinal, os discursos autorizados e valorizados na área de filosofia continuam sendo proferidos por vozes que falam, via de regra, de um mesmo lugar social. Não basta nos propormos a intensificar a conversa filosófica com nossos pares brasileiros e a falar para fora dos muros da universidade se isso não vier acompanhado de um compromisso inadiável com a ampla democratização da produção de conhecimento filosófico no Brasil, em termos de raça, gênero, sexualidade, classe, etnia. Uma área do conhecimento só pode ser potente, falar com riqueza para dentro e para fora sobre os assuntos do nosso tempo, que é o tempo da pandemia, se comportar diversidade de perspectivas e de sujeitos do conhecimento: temos ainda que enfrentar isso no Brasil e a boa notícia é que estamos enfrentando. A Rede Brasileira de Mulheres Filósofas é um sinal disso, mas nós temos um longo e tenso caminho pela frente. Referências: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2020/04/saiba-o-que-os-grandes-filosofos-estao-dizendo-sobre-coronavirus.shtml Entrevista com Filipe Campelo https://youtu.be/PUcMH_pJ-2Q https://www.youtube.com/watch?v=ka0vvvW561U&feature=share&fbclid=IwAR197vDe1_VgUK-xsLIdt73_my_Zc4cuCIei-cSKWRY2PqIPPB7o_r1A1QU

  • Alteridade e a ética da responsabilidade em tempos de pandemia

    Suellen Lima de Brito Aluna bolsista do Mestrado em Filosofia na Universidade Federal do Pará (UFPA). Integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. Loiane Prado Verbicaro Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. A pandemia tem nos permitido “um olhar no espelho” da nossa impotência, bem como das nossas mazelas e precariedades humanas; ou mesmo um autorretrato (autocompreensão) de quem somos enquanto indivíduos e coletividade; de quais são as nossas prioridades e valores; do sentido que atribuímos à nossa existência; das nossas vulnerabilidades e altivez frente à vida, aos seus dissabores e acontecimentos malsãos; do apreço e desapreço pelo ethos comunitário; da nossa frágil e altaneira empatia, compaixão, solidariedade e generosidade desinteressadas. Considerando que é na escassez e na fronteira do sombrio que os problemas éticos regressam com intensidade, refletiremos hoje sobre a alteridade e a ética da responsabilidade em tempos de pandemia, a partir do pensamento dos filósofos Emmanuel Levinás e Martin Buber. Com a pandemia do novo coronavírus e sua crise sanitária, a sociedade teve que se reeducar de distintas maneiras para impedir o contágio da doença, além de passar a conviver com o isolamento social onde o contato físico é censurado e o medo como emoção política implementado. Diversas cidades do país, em maior ou menor grau, estão realizando medidas de proteção para o combate ao vírus e, segundos os especialistas e profissionais da saúde que estão na linha de frente do combate à doença, é praticamente unânime a recomendação sobre a importância do isolamento social e das medidas de higiene básicas, resultando também em campanhas para conscientização acerca do cuidado com a sua própria vida (biológica) e a vida do outro, em um pacto de coletividade e solidariedade. Contudo, observa-se parte significativa da população desdenhando e mesmo descumprindo tais medidas de proteção, não porque não tenha alternativa – e são muitos nessa situação –, mas, em muitos casos, voluntariamente, talvez em razão de uma postura temerária e negacionista ao perigo do vírus que tem matado tantas pessoas no mundo; ou mesmo em razão da crença em fórmulas mágicas ou soluções messiânicas sem comprovação em estudos científicos; ou ainda por priorizar as razões de mercado, seguindo os arautos da racionalidade econômica que têm defendido que “pior que o medo da epidemia deve ser o medo do desemprego”, afinal, a engrenagem não pode parar, ainda que custe a vida de milhares de indivíduos. Nesse caso, a vida humana é instrumentalizada pelo mercado, minimizada e vista como o suprimento “descartável para que o processo de acumulação e concentração não pare”. Trata-se de um Estado suicidário, como aquele que flerta com a sua própria destruição (Safatle, 2020), constituindo essa realidade como um novo estágio nos modelos de gestão do neoliberalismo como sistema que maximiza a importância do mercado e dos imperativos de eficiência em detrimento do ser humano. O pior é quando essas atitudes de negligência e descaso veem de líderes políticos a quem compete à condução responsável da nação de modo a proteger a vida como valor fulcral. É o que tem ocorrido no Brasil, em que o Presidente da República, reiteradamente, demonstra o seu pouco caso para com os riscos à vida provocados pelo novo coronavírus, ao enfatizar a necessidade de retorno às atividades econômicas e escolares, bem como criticar os governadores dos Estados que estabelecem medidas de isolamento social recomendadas por autoridades científicas. Em razão da condução negligente do Chefe do Executivo – tanto pelo seu discurso como por participar e promover aglomerações –, a Associação Brasileira de Juristas para a Democracia denunciou-o ao Tribunal Penal Internacional por crime contra a humanidade, considerando sua política de governo em descompasso à compreensão da importância da ciência e da ética da responsabilidade em tempos de crise pandêmica e humanitária. Ainda que se considere o impacto econômico e social provocado pela paralisação da atividade produtiva e comercial e que a vida também dependa da dinâmica de produção e comercialização para a geração de emprego e renda, a proteção imediata e incondicional à vida humana deve ser a prioridade sobre qualquer outro objetivo econômico ou político. Nenhum governante decente pode colocar a vida em risco para proteger o produto interno bruto (PIB). Só os torpes o fazem! Trata-se de um imperativo ético e humano que não se curva a qualquer consequencialismo, a cálculos de custo e benefício ou relativizações de quaisquer espécies. Segundo Emmanuel Lévinas (1906–1995), a ética da responsabilidade direciona-se à compreensão de que somos responsáveis uns pelos outros, que a relação com o próximo, com o seu bem estar é de nossa inteira responsabilidade, em outras palavras, nossa responsabilidade com a vivência do outro é total, indeclinável e intransferível. À medida que negligenciamos o cuidado ao outro estamos – eticamente – agindo mal, em falta com a nossa posição de responsabilidade e boa vivência em relação ao outro. Portanto, toda relação pressupõe uma dimensão ética a partir da compreensão de que o outro é nossa responsabilidade. A partir disso e considerando o momento de crise sanitária com a pandemia do novo coronavírus, atos de descaso para com a saúde e o bem estar do outro, a partir da prioridade às razões de mercado, ferem a ética levinasiana e a noção de alteridade, pois ao negar os cuidados necessários próprios para com o outro, nega-se concomitantemente a responsabilidade que temos com aquela vivência, agindo de maneira egoísta ao banalizar sua existência. Nesse sentido, o nosso cuidado com o outro e com nós mesmos e a partir da nossa obediência às medidas de proteção, reavive a relação de alteridade da vivência ética. É o sentido humanista mais puro que se preocupa acima de tudo com a condição humana. Por conseguinte, para Martin Buber (1878-1965), o diálogo e o respeito à vivência do outro é o que nos torna humanos e que nos permitirá uma boa vivência em sociedade. O mundo é duplo para o homem, ele vive em dualidades, entre duas relações: O Eu-Tu e o Eu-Isso como palavras-princípios. O Eu-Tu como uma relação dialógica, encontro entre dois parceiros mutualmente, em totalidade e o Eu-Isso como um relacionamento monológico, experiência, utilização ou uso. Essas palavras-princípios fazem parte da vida dos indivíduos, de suas relações, elas são “[…] duas intencionalidades dinâmicas que instauram uma direção entre dois pólos, entre duas consciências vividas” (Von Zuben, 2001, p. 28), ou seja, elas estão inseridas em nós, por isso o mundo é duplo para os homens, ele pode proferir as palavras-princípios na sua vida de acordo com a sua vivência, com a relação que ele quer estabelecer. O que tem ocorrido nesse momento de grave crise pandêmica é que os indivíduos são coisificados, tratados a partir de relações objetificantes do mundo do Isso, com o descaso perante a vida do outro, banalizando sua existência e transformando a morte em mera estatística. Pessoas mortas viram números. Mas perdemos vidas. Não números. Ademais, nesse sentido, importante registrar um profundo repúdio à fala do novo Ministro (empresário) da Saúde que, em um vídeo tratando de eventual necessidade de escolha, pelos médicos, entre a vida de um idoso e de um jovem, afirma que a decisão deveria ser pensada a partir do seu impacto financeiro (critério utilitário), acenando à uma inadmissível hierarquização do valor da vida e a uma profunda insensibilidade e despreparo para lidar com a dimensão ética da existência. E nesse ponto, resgatamos o pensamento de Buber que apresenta a potencialidade do respeito ao outro a partir da interação dialógica da relação Eu-Tu. A atual crise que estamos vivendo é avassaladora, uma crise marcada pela tragédia de milhões de mortes e um inimigo invisível e impiedoso, com impactos assimétricos especialmente aos grupos mais vulneráveis. É um momento de ressignificação de muitos dos nossos valores e, em especial, a ideologia contemporânea do “eu primeiro”. (Badiou, 2020). Nessa ideologia, preocupações com o “bem comum” e com o outro em sua dimensão ética são substituídas por uma gramática individualista, com posturas apáticas, hedonistas e narcisistas, com o estímulo do “cada um por si” e a identificação da felicidade a partir do consumo, como argumenta Lipovetsky (2015), em “O Império do Espetáculo e do Divertimento”, por meio de um processo de individualização e atomização das relações sociais, em detrimento da alteridade, da solidariedade e de projetos coletivos. Vê-se o desaparecimento do cuidado com o outro diante da exaltação e da ditadura do eu como subjetivação que nega o comum ou preocupações para além daquelas inerentes ao próprio desempenho, à produtividade e à competitividade. Diante do padecimento do comum, do valor da alteridade e da ética da responsabilidade e do cuidado com o outro a partir da relação Eu-Tu, necessitamos fazer um trabalho de resgate e de construção de um projeto de humanidade e de uma generosa solidariedade internacional (frente à persistente tentação do entrincheiramento egoístico de nacionalismos que se renovam na história), nos quais sejamos responsáveis uns pelos outros. É dessa missão que se encarregam as ideias de Levinás e Buber, ao reagirem à descartabilidade humana, à ênfase à objetificação, instrumentalização e minimização da vida conduzida pela racionalidade econômica, para demonstrar o quanto somos ligados uns aos outros, do quanto precisamos de uma vivência dialógica baseada na alteridade e na responsabilidade recíproca e do quanto necessitamos viver bem em uma relação ética saudável, afinal, “somos olas del mismo mar, hojas del mismo árbol, flores del mismo jardín”. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofaemquarentena #alteridade #éticadaresponsabilidade Referências BADIOU, Alain. La situación epidémica. In: Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporáneo en Tiempos de Pandemias. Buenos Aires: Pablo Amadeu Editor. Editorial ASPO, 2020. BONAMIGO, Gilmar Francisco. O Problema do Humano em Emmanuel Lévinas. Revista “O que nos faz pensar”. Cadernos do Departamento de Filosofia da PUC- Rio, v. 25, n. 38, p. 1-21, 2016. BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro, 2001. LÉVINAS, Emmanuel. Entre Nós: Ensaios Sobre a Alteridade. Petrópolis: RJ: Vozes, 1997. LÉVINAS, Emmanuel. Ética e infinito. Lisboa: Edições 70, 1998. LÉVINAS, Emmanuel. Humanismo do outro homem. Petropólis: Vozes, 1993. LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Espetáculo e do Divertimento. In: LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. a Estetização do Mundo: Viver na Era do Capitalismo Artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. RIBEIRO, Martins Luciane. A Subjetividade e o outro: ética da responsabilidade em Emmanuel Levinás. São Paulo: Ideias & Letras, 2015. SAFATLE, Vladimir. Bem-vindo ao Estado Suicidário. In: O Jornal de Todos os Brasis. Publicado na Edição de 25 de março de 2020.

  • Filósofas UFT: Mulheres como eixo

    Sexta-feira, 1o de maio, às 19:00hs. Participe! Atenção para os procedimentos de inscrição abaixo. Para confirmar sua presença e receber seu certificado de participação, acesse o link e garanta sua vaga: https://palmas.uft.edu.br/sisma/plataformaevento/atividades-academicas-do-campus-de-palmas-2020-1 Quem não é aluno da UFT, deve cadastrar-se em "comunidade em geral": vá ate a aba "humanas, artes e licenciaturas" no link a cima,  role a barra até o evento FILÓSOFAS - MULHERES COMO EIXO e click em "participar". Será enviada confirmação por e-mail. A participação na live é limitada, mas não se preocupe, depois disponibilizaremos a live no IGTV e no youtube. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofas.brasil #filosofasuft #uft #mulherescomoeixo

  • Feminismo Marxista por Rita Machado: segunda aula do curso online de Introdução ao Feminismo

    Assista aqui. Rita Machado trata de conceitos básicos do marxismos, de seus aportes teóricos à teoria feminista e do pensamento de algumas das mais importantes feministas marxistas. Essa é a segunda aula do curso online de Introdução ao Feminismo oferecido pela Rede Brasileira de Mulheres Filósofas sob a organização da própria Rita Machado (UEA). Veja o programa de curso e a bibliografia em www.filosofas.org/cursofeminismo Rita de Cássia Fraga Machado é feminista, professora na Universidade do Estado do Amazonas, pesquisadora associada à ANPOF (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Filosofia) e compõe o núcleo estruturante do GT de Filosofia e Gênero. É Militante da Marcha Mundial das Mulheres Brasil. Tem diversas produções nos Estudos Feministas. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8882999172098781 https://youtu.be/Sl_PTr_Godk Assista a aula aqui. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofasbrasil #introducaoaofeminismo #feminismomarxista #ritamachado

  • A pandemia e o apartheid sanitário no Brasil

    Carla Maria Peixoto Pereira Doutoranda em Desenvolvimento Socioambiental PPGDSTU/NAEA da Universidade Federal do Pará (UFPA). Professora da Escola Superior da Amazônia. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa (CNPq) MinAmazonia - Mineração e Desenvolvimento Regional na Amazônia. Loiane Prado Verbicaro Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. O tema de hoje refere-se à perversa correlação entre a pandemia no Brasil, a extrema pobreza e a desigualdade social, a partir da análise do apartheid sanitário, que faz com que as condições de higiene sejam um luxo não acessível a maior parte da população. Antes de analisarmos a questão do saneamento básico, importante tecer algumas observações sobre aspectos da nossa estrutura econômica e social. A economia brasileira é a maior da América Latina e uma das dez maiores do mundo. Mas ao longo da sua história desperdiçou inúmeras oportunidades de implementar uma agenda efetivamente igualitária e que, ao mesmo tempo, permitisse a criação de uma infraestrutura sanitária adequada. A realidade é que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, “com uma pobreza totalmente evitável que reduz a expectativa e a qualidade de vida de dezenas de milhões de pessoas.” O desenvolvimento econômico brasileiro foi historicamente perverso porque aumentou as desigualdades estruturais e sociais (SAAD FILHO; MORAIS, 2018, p. 19, 20). Nos intervalos de uma república oligárquica, uma ditadura populista de direita e uma ditadura militar, democracias foram fragilmente concebidas. Na década de 1980, a promessa democrática e inclusiva consolidou-se na Constituição de 1988, estruturada sob a base de um Estado de bem-estar social. No entanto, a realização democrática foi limitada, na medida em que o avanço da cidadania ocorreu ao lado da reprodução de uma sub-cidadania e de expressivos privilégios econômicos. A transição para o neoliberalismo, que constituiu um processo multissetorial de liberalização, aprofundou a exclusão, fomentou a financeirização do capitalismo e a precarização das condições de vida e trabalho, sobretudo por desconsiderar progressivamente as condições humanas de vida, o acesso democrático à política e limitar o espaço para a distribuição equânime de renda e riqueza baseada na inclusão social e na cidadania. A partir dessa breve introdução, passemos à nossa análise. Começamos fazendo referência à obra literária “O Cortiço”, do autor maranhense Aluísio Azevedo, lançada em 1890. Na obra, o escritor conta a história de João Romão, um comerciante cujo maior objetivo era ascender na sociedade carioca. Dono de uma taverna e uma pedreira, João também era o proprietário de um cortiço, que não detinha qualquer acesso à água potável ou esgotamento sanitário por parte de seus habitantes, que eram, em sua maioria, seus empregados na pedreira e clientes na taverna. Apenas quando o cortiço sofreu um grande incêndio, João resolveu reformá-lo para que se tornasse a vila João Romão, tendo sido acrescentados para tal, com grande festa, seis vasos sanitários e torneiras de água, bem como construídos três banheiros para serem utilizados coletivamente. Como mencionado, esta curta síntese integra um relato literário do final do século XIX. No entanto, ainda que se tenham registros históricos de água encanada até mesmo na Roma antiga, não é desafio algum identificar, em nossas cidades contemporâneas brasileiras, moradias tais como as descritas por Azevedo há mais de 100 anos: sem serviços de acesso à água potável e de coleta e tratamento dos esgotos. Há no Brasil um déficit sanitário, em descompasso com as disposições normativas da lei do saneamento, que prevê um conjunto dos serviços, instalações operacionais de abastecimento de água, esgotamento sanitário, limpeza urbana, drenagem urbana, manejos de resíduos sólidos e de águas pluviais como infraestruturas necessárias à população e condição para a implementação do direito à saúde. O Instituto Trata Brasil apontou que quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água tratada e quase 100 milhões de brasileiros não têm acesso à coleta de esgoto, o que significa um impacto negativo na saúde coletiva. Apesar dos dados que demonstram que o investimento em saneamento é fundamental à saúde pública ao reduzir o índice de mortalidade (principalmente a infantil) e a sobrecarga do sistema do saúde, ademais de ser benéfico para o turismo, preservar recursos hídricos, valorizar bens imóveis, entre outras vantagens advindas de um sistema sanitário pleno, as políticas públicas no Brasil, reiteradamente, não priorizam esse investimento em razão dos altos custos e da aposta em direcionamentos de gastos com perspectivas mais eleitoreiras. Momentos epidêmicos acentuam os nossos problemas e mazelas, aprofundando-os. Nesse sentido, a pandemia do novo coronavírus tem lançado novas luzes sobre o imenso déficit de saneamento no país. Tem-se, há muito, uma crise sanitária: vive-se no Brasil de 2020 tal como no cortiço de Romão de 1890. Foi necessária a propagação mundial de um novo vírus com alta taxa de mortalidade, o qual não se tem vacina ou protocolo de tratamento consolidado, com alto grau de transmissibilidade e cujas principais estratégias de combate, de acordo com a Organização Mundial da Saúde, são lavar as mãos com água limpa e sabão e se manter em casa (e aqui, se tem como premissa um ambiente hígido), para que percebamos a realidade da grande maioria dos 210 milhões de brasileiros, de como (sobre)vivem. Importante a reflexão segundo a qual este déficit sanitário pode se traduzir enquanto um instrumento de necropolítica estatal e do capital, que delineiam a morte social daqueles que não têm condições financeiras de habitar locais beneficiados pelas intervenções urbanas de saneamento, demonstrando que o assunto é bem mais complexo do que se considera à primeira vista. Logo, percebe-se que a questão sanitária e seu déficit também engloba aspectos ambientais, sociais, econômicos e políticos, que ingressam no campo de uma análise mais abrangente e demandam uma leitura sistêmica interdisciplinar do espaço urbano, cujo valor de mercado dado pelo capital avilta, rotineiramente, a vida de todos. A forma de produção capitalista do espaço urbano, já há tanto estabelecida, que passa a ter seus resultados desiguais vistos como normalidade, se torna ainda mais cruel quando estamos diante de uma pandemia que, confrontada com a falta de acesso de serviços básicos sanitários, acena à profunda desigualdade das nossas estruturas. O problema da urbanização segregadora e excludente não é recente. Engels denunciava, no início do capitalismo industrial, as consequências deste sistema econômico na cidade, que se tornam mais avassaladoras por conta da globalização e da homogeneização do espaço. O Brasil, sendo periferia do mundo com seu capitalismo tardio, se rendeu ao ideal neoliberal de que serviços básicos devem ser fornecidos pela iniciativa privada, o que tem levado a uma discussão já bem avançada de que o saneamento básico deve ser provido por consórcios de empresas privadas, o que provavelmente intensificará a atual crise sanitária, uma vez que nem todos os municípios brasileiros apresentam potencial de lucro e, consequentemente, interesse para os consórcios. Isso porque nem sempre a política necessária é também lucrativa, o que pode conduzir à persistência das nossas assimetrias. Neste cenário, falar de crise sanitária no espaço urbano, particularmente durante uma pandemia tão grave, é também falar de déficit de direito à cidade, onde existem muitos cidadãos que nem sempre conseguem exercer sua cidadania por conta do aviltamento dos seus direitos fundamentais sanitários. A escolha deste modelo de desenvolvimento, traduzida na produção capitalista do espaço e que prioriza o viés econômico e tende a colocar questões sociais e ambientais (como a sanitária) em plano secundário, afeta a liberdade da cidade e sua relação com as ações de enfrentamento à pandemia, pois que não é possível que se dissocie o tipo de pessoa que cada um deseja ser do tipo de cidade que cada um almeja habitar. Esta relação se impõe porque o homem é diretamente influenciado pelos espaços em que circula e que o ajudam a definir as suas possibilidades de vida, sendo determinante, para isso, a existência de um ambiente urbano hígido universal, que está em completo desacordo com a nossa realidade. Desta forma, tal como a concepção original de Henry Lefebvre, o direito à cidade continua se afirmando como apelo e como exigência, sendo uma problematização urgente em relação aos espaços urbanos nesses tempos de pandemia. O fato é que momentos de crise testam nossas escolhas e nosso projeto de vida coletiva e dependendo da nossa capacidade de reinvenção e de recomeço, podemos perpetuar o trágico da realidade, que numeraliza e banaliza a morte, ou construir novos caminhos. Que sejamos capazes de transformar o relato de Aluísio Azevedo no “O Cortiço” em distopia impensável nos nossos novos tempos. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofaemquarentena #apartheidsanitario #pandemia Referências AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. São Paulo: Klick Editora, 1997. ENGELS, Friedrich. Sobre a questão da moradia. São Paulo: Boitempo, 2015. HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume, 2005. HARVEY, David. A liberdade da cidade. In: Cidades rebeldes: passe livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Boitempo Editorial, Carta Maior, 2013. HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo: Martins Fontes – selo Martins, 2014. INSTITUTO TRATA BRASIL. Principais estatísticas sobre saneamento no Brasi. Disponível em http://www.tratabrasil.org.br/saneamento/principais-estatisticas. Acesso em 18 abr. 2020. LEFEBVRE, Henri et al. Du contrat de citoyenneté. Paris: Syllepse et Périscope, 1990. LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 3ª ed. São Paulo: Centauro, 2001.Marx MBEMBE, Achille. Necropolítica. Revista Artes & Ensaios, número 32, dezembro/2016. SAAD FILHO, Alfredo; MORAIS, Lecio. Brasil: Neoliberalismo versus Democracia. São Paulo: Boitempo, 2018. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 6ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.

  • Simone de Beauvoir por Heci Regina Candiani

    “O fato de existirem desigualdades entre as pessoas faz com que a ação realmente ética seja, então, não apenas aquela que visa ampliar a liberdade do sujeito, mas que se paute pelo compromisso em ampliar também a liberdade dos outros.” (Heci Regina Candiani) Ensaios, tratados, uma peça de teatro, um manifesto, romances, contos, novelas, relatos de viagem, memórias, cartas, diários e reportagens: a obra de Simone de Beauvoir é vasta, múltipla, ativa, desafiadora. Heci Regina Candiani apresenta, no verbete com que contribui ao Blog Mulheres na Filosofia, um pouco da vida e das ideias desta que é a mais célebre entre as pensadoras da condição feminina. Ele mostra como, desde os seus primeiros escritos, as questões da liberdade e da condição humana espaço-temporalmente situada são centrais. Dessa atenção surge O Segundo Sexo, obra magistral em que, com base no existencialismo, na fenomenologia e no marxismo, a autora se debruça sobre as experiências das mulheres nas sociedades ocidentais em meados do século XX. O resultado é um enfoque mordaz sobre a opressão como a ação do Outro, uma análise que abriu caminho para toda uma vertente do pensamento feminista. O verbete também mostra como esse tema da marca social da alteridade volta em outros textos de Beauvoir, como em A velhice, obra que aborda o envelhecimento como transformação no modo como somos objetificados nas relações interpessoais. Conduzindo-nos com clareza pelos conceitos, esse verbete é uma bela porta de entrada para uma reflexão aguda sobre a desigualdade, feita através de um método filosófico que emerge da vida e da história. Heci Regina Candiani é Doutora em Ciências Sociais pela UNICAMP, tendo defendido a tese “A tessitura da situação: a trama das opressões na obra de Simone de Beauvoir”. É autora de artigos sobre Beauvoir e tradutora para o português de importantes autoras como Angela Davis, Nancy Fraser e Silvia Federici.

  • Conversas Feministas

    O Conversas Feministas é uma das atividades realizada pelo Grupo de Pesquisa Epistemologias Afetivas Feministas CNPq/PUCRS. Na conversa de hoje debatermos sobre o Feminismo Decolonial de María Lugones e teremos a participação especial da Profa. Dra. Susana de Castro (UFRJ). Inscrição e dúvidas entrar em contato no email: epistemologiasfeministas@gmail.com

  • “A Constituição sou eu”: a pandemia e o acirramento da crise democrática

    Ana Victória Machado Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Pará e integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito – FilPED. Loiane Prado Verbicaro Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenadora do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito – FilPED. O tema de hoje aborda a pandemia e o acirramento da crise democrática. O Grupo de Pesquisa (CNPq): “Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito”, vinculado à Faculdade de Filosofia e ao Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA), vem estudando, desde 2016, a crise democrática brasileira, com a compreensão de que pode haver o formal funcionamento das instituições democráticas concomitantemente ao desaparecimento da sua dinâmica. Nesse sentido, democracias podem entrar em falência mesmo permanecendo, formalmente, intactas. Motivadas pelo episódio do último domingo, dia 19 de abril, quando, em descumprimento às recomendações das autoridades sanitárias, pessoas reuniram-se (aglomeraram-se) para ato em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, em apoio ao Governo Federal, escrevemos as reflexões a seguir. Quando, em meio à guerra de combate ao vírus contra o qual nenhum país no mundo está preparado, muito menos o Brasil em razão das suas profundas desigualdades e negligência com a infraestrutura sanitária, um Presidente vai às ruas, contrariando todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), para discursar em ato de apoiadores pró-intervenção militar, marcado por faixas e gritos de volta ao AI5, intervenção militar, fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional, é preciso pensar que a pandemia não é a única ameaça a ser enfrentada. Em seu pronunciamento, o Presidente disse acreditar nas reivindicações dos manifestantes que promoviam apologia à ditadura e afronta às instituições democráticas. Dia seguinte, chegou a dizer que é contra o fim da democracia e completou, paradoxalmente, “Eu sou, realmente, a Constituição”, numa versão atualizada do Rei Luís XIV, o Rei-Sol, conhecido pela oração “Je suis la Loi, Je suis l’État; l’État c’est moi” (Eu sou a lei, eu sou o Estado; o Estado sou eu!) em referência à centralização do poder na figura do Rei, no século XVII. A escalada antidemocrática é cada vez mais uma realidade no Brasil. O sinal de alerta da democracia brasileira reluz em vermelho, de modo que a reação à fala do Presidente foi imediata entre os representantes dos poderes e principais instituições do país: além da imprensa, reações do Presidente da OAB, Presidente da Câmara e Deputados da base e oposição, Ministros do STF, Governadores, e Associações de Juízes foram divulgadas nas primeiras horas posteriores ao ato, com discursos alinhados em reação à postura infesta do Presidente de “atiçar grupelhos para atacar a Constituição, as instituições democráticas e o regime democrático” como registra o repúdio de Flávio Dino, Governador do Maranhão. Com a pandemia do novo coronavírus, conflitos que permeiam os processos de desdemocratização no mundo tem-se intensificado. Se antes desse momento epidêmico, discutia-se inúmeras teses que apontavam para um esvaziamento democrático ou mesmo à insurgência de regimes pós-democrático ou protototalitários, com todos os instrumentos da racionalidade neoliberal, da necropolítica e do autoritarismo, hoje alguns destes questionamentos ganham novos matizes e cores. Tomando-se como ponto de partida o pensamento de Rubens Casara, que defende ser a sistemática de crises não mais uma excepcionalidade, mas sim um modus operandi do neoliberalismo e do Estado Pós-democrático, pode-se considerar que a crise econômica e sanitária relacionada à pandemia acena, contraintuitivamente, ao fortalecimento da lógica neoliberal, a partir da implementação de uma agenda de austeridade fiscal, reforma administrativa e privatizações para a recomposição dos gastos públicos no momento agudo da crise, com processos mais intensos de flexibilização e relativização de direitos e garantias fundamentais, como os direitos trabalhistas e políticas públicas redistributivas. Casara, amparado no cientista político Colin Crouch, define o Estado Pós-Democrático como aquele composto pelos seguintes elementos: reaproximação do poder político com o poder econômico, crescimento do autoritarismo, a autoexploração do indivíduo, o desaparecimento das grades institucionais ao exercício do poder e a demonização de políticas participativas e coletivas. Destas características, entende-se que a depender da postura adotada pelos líderes mundiais e pela mobilização social, poderá haver uma intensificação do Estado Pós-Democrático em meio a pandemia e discursos que realçam a priorização da economia, a exemplo da fala do Presidente do Banco Central do Brasil que afirmou, em reunião com investidores do mercado, que “reduzir o número de mortes por Covid-19 pode ser pior para a economia”; da campanha “Milão não pode parar”, apoiada pelo Prefeito de Milão no início da pandemia, posicionamento do qual se arrependeu após a cidade italiana alcançar milhares de mortes pelo Covid-19; do pedido do Presidente Alexander Lukashenko, da Bielorrúsia, para que a polícia secreta procure os “sem vergonha que estão a propagar o pânico”. É dele também a recomendação de combater o vírus com vodka e sauna. Infelizmente não são casos isolados, mas permeiam a opinião de outras autoridades públicas que minimizam a pandemia equiparando-a a uma “gripezinha”, conforme estouvada fala em cadeia nacional do Presidente do Brasil, que insiste em representar o contraexemplo da postura de um estadista preocupado com a centralidade do valor da vida humana; além da classe empresarial e setores que a apoiam, o que, para a autora Wendy Brown (2019, p. 40) representa os reflexos da postura de “consertar o governo por meio de ideias oriundas dos negócios”, isto é, tratar vidas como números, corpos como instrumentos de lucro, marketing, exploração e manipulação. Na história, observa-se o capitalismo reinventar-se através da superação das periódicas crises que abalam o sistema, até o momento em que o cenário de excepcionalidade passa a constituir a condição de seu fortalecimento, a partir da adoção de medidas de austeridades que converteram-se em um modo de governo (DARDOT e LAVAL, 2016, p. 7). Nesse sentido, não causa espanto que teóricos como Han (2020, p. 110) sustentem que após a crise, o capitalismo continuará com mais vigor, amparado em regimes cada vez mais autoritários e com amplos mecanismos de controle repressivo por parte dos Estados. Essa situação é potencializada pela circunstância atípica de isolamento, que não apenas enclausura e distancia as pessoas, em uma abdicação a qualquer sentimento de coletividade – já praticamente ausente na lógica neoliberal –, como também robustece o individualismo a partir de uma disputa de todos contra todos pela sua própria sobrevivência. Por outro lado, algumas premissas características da racionalidade neoliberal, como o obscurantismo, a negação do conhecimento científico e mesmo a figura do homo economicus – empresário de si mesmo –, veem-se questionadas, em especial porque a pandemia mostrou o preço – não apenas monetário – de o mercado primar pelo privado em detrimento do suporte público. A pandemia agudiza a percepção de incompatibilidade de um modelo econométrico com a defesa de uma agenda igualitária e baseada na ampliação da cidadania, que potencializou o desamparo dos mais vulneráveis em razão do esvaziamento dos programas assistenciais e de redistribuição considerados nefastos em “governos de finanças”. Agora, a situação de crise escancara a necessidade de um Estado mais atuante. Essa percepção é defendida inclusive por aqueles que outrora propagavam a nocividade e a demonização do Estado. A pandemia tem acenado à insustentabilidade da globalização na ausência de uma infraestrutura social de saúde pública, o que passa pela implementação de políticas sociais e pela construção de um projeto político, econômico e social comum. Em razão de seus limites, Žižek (2020, p. 27) defende a ideia segundo a qual a pandemia representa um golpe de morte ao capitalismo. Isso porque o vírus demonstrou que a salvação da humanidade está no poder de solidariedade e colaboração de todos, algo que acena a uma nova era, com a colaboração global na promoção de um processo de regulamentação econômica, em aversão à selvageria do capitalismo, a qual vem mostrando ao mundo que atitudes como as do Presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, em articular o desvio de aparelhos respiradores e máscaras e realizar cortes substanciais das doações, em plena pandemia, a uma entidade tão fundamental como a Organização Mundial da Saúde (OMS), hoje não condizem com as exigências de solidariedade para se ultrapassar uma das maiores crises sanitárias e humanitárias dos últimos tempos. Percebe-se que não é apenas o sombrio cenário da doença que causa tantas angústias e questionamentos, mas, também, a (in) certeza de que o mundo tal qual era conhecido antes da eclosão do novo coronavírus jamais será o mesmo. Nesse sentido, a atual conjuntura disruptiva aponta para necessidade de uma profunda reflexão, especialmente, para avaliar fenômenos como a intensificação do autoritarismo; a incapacidade de um constitucionalismo nacionalista em responder a tantas questões que extrapolam os limites territoriais do respectivo país; os limites da globalização sem um projeto coletivo de humanidade e solidariedade; os discursos que tentam atenuar as consequências da pandemia em razão dos impactos econômicos; a necropolítica das epidemias que, no Brasil, tem um potencial catastrófico especialmente em relação aos atingidos pelos vários marcadores de opressão; e a desproteção social a partir da priorização às políticas de austeridade fiscal, o que acena a um profundo acirramento da crise das instituições democráticas nesse cenário de excepcionalidade e indeterminação. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofaemquarentena #crisedemocrática #pandemia REFERÊNCIAS BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politéia, 2019. CASARA, Rubens. Estado Pós-Democrático: Neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2017. CROUCH, Colin. Posdemocracia. Madrid: Taurus, 2004. DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 2016. HAN, Byung-Chul. La emergência viral y el mundo de mañana. In: Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporáneo en Tiempos de Pandemias. Buenos Aires: Pablo Amadeu Editor. Editorial ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020. ZIZEK, Slavoj. El coronavirus es um golpe al capitalismo a lo Kill Bill. In: Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporáneo en Tiempos de Pandemias. Buenos Aires: Pablo Amadeu Editor. Editorial ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020.

  • Introdução ao Feminismo por Ilze Zirbel: disponível em nosso canal a primeira aula do curso.

    Assista aqui. Ilze Zirbel trata da definição de feminismo, das suas diversas ondas e de alguns de seus conceitos básicos. Essa é a primeira aula do curso online de Introdução ao Feminismo oferecido pela Rede Brasileira de Mulheres Filósofas sob a organização de Rita Machado (UEA). Veja o programa de curso e a bibliografia em http://www.filosofas.org/cursofeminismo Assista aqui. Ilze Zirbel é formada em História e Teologia, com mestrado em Sociologia Política e doutorado em Filosofia. Atualmente faz seu pós-doutorado em Filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina e participa do projeto “Uma filósofa por mês”. Questões e teorias feministas têm sido seu fio condutor em meio a interdisciplinaridade de sua trajetória, com ênfase em Ética, Teoria Política, História da Filosofia e Epistemologia. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8740728758861601 Assista a aula aqui. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofasbrasil #introducaoaofeminismo #ilzezirbel

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