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  • Mulheres, raça e classe: a pandemia aprofundando desigualdades

    Ao contrário do que pensa Giorgio Agamben, a sociedade acometida pela pandemia não é uma "massa compacta e passiva"* , mas composta por pessoas portadoras de distintos marcadores sociais e que vivem os efeitos da pandemia em conformidade com as distintas maneiras pelas quais interseccionam classe, raça e gênero, etnia, sexualidade, idade. Levando em consideração que as sociedades capitalistas, machistas e racistas são profundamente desiguais em termos de classe, gênero e raça, eu proponho na live com o Mario Vitor Santos (link abaixo) uma reflexão sobre a pandemia no Brasil a partir daí, ou seja, a partir das desigualdades e violências já existentes. Como a pandemia e a necessidade (inconteste) do isolamento social impacta a vida das mulheres em geral, se sabemos que o trabalho de reprodução social é profundamente mal dividido em detrimento das mulheres? Como a pandemia e o (necessário) isolamento social impacta a vida das mais de 57 milhões de mulheres chefes de família (ou seja, de cuja renda depende o sustento da família)? E se levarmos em consideração que 57% das famílias chefiadas por mulheres estão abaixo da linha da pobreza, das quais 65% são chefiadas por mulheres negras. Como a pandemia afeta a vida das 5,7 milhões de empregadas domésticas, das quais 3,7 milhões são negras e pardas? E se lembrarmos que 50% do trabalho no Brasil é informal e que as mulheres são maioria na informalidade? Vamos falar das mulheres mais afetadas pelo necessário isolamento social: as que precisam do dia de trabalho para alimentar a família inteira. Se levarmos em consideração a violência doméstica, veremos que o isolamento social significa para muitas mulheres o convívio 24h com o seu abusador ou provável assassino. Só em SP o número de mulheres assassinadas em casa neste último mês de isolamento social dobrou: dobrou! Ou seja, a pandemia e as maneiras necessárias de controlá-la não são sentidas e vividas da mesma maneira sem distinção de gênero, raça e classe, pois precariza vidas já precárias (Judith Butler) e expõe todas as incapacidade do neoliberalismo em garantir o básico para a maioria das pessoas (Angela Davis). Convencida de que é muito difícil pensar na tempestade e de que os significados, que a filosofia procura, precisam de tempo e distanciamento para aparecer, resigno-me por ora a um exercício de pensamento em diálogo com as outras ciências - médicas, sociais, econômicas - e ancorado em experiências concretas de vida. A filosofia prática - política e ética - que se furta à concretude é mera especulação vaidosa, mais preocupada consigo mesma do que com o mundo que diz tentar explicar. PS: Loiane Prado e Giovana Facciola, em breve trago aqui um texto para dialogar com o de vocês (https://www.filosofas.org/post/a-pandemia-do-novo-coronav%C3%ADrus-e-a-leitura-de-giorgio-agamben) sobre os artigos do Agamben publicados na Quodlibet sobre a (invenção da) pandemia. *Conferir artigo publicado por Agamben no dia 06 de março, o segundo dos cinco artigos que ele publicou sobre a (invenção da) pandemia https://www.quodlibet.it/giorgio-agamben-distanziamento-sociale.

  • A pandemia do novo coronavírus e a leitura de Giorgio Agamben

    Giovanna Faciola Brandão de Souza Lima Mestranda em Direito do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Pará (UFPA). Integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. Loiane Prado Verbicaro Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. O Grupo de Pesquisa (CNPq) “Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito,” vinculado à Faculdade de Filosofia e ao Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará (UFPA), tem se mobilizado para refletir, à luz das discussões das autoras e autores, bem como de temas que norteiam as nossas pesquisas, sobre aspectos sociais, políticos, econômicos e filosóficos desse momento disruptivo nas nossas vidas. Agradecemos à Rede Brasileira de Mulheres Filósofas pela abertura desse espaço dialógico, democrático e plural para pensarmos nos problemas do nosso tempo e, ao mesmo tempo, pela visibilidade ao trabalho desenvolvido pelas mulheres na Filosofia, em todos as regiões, recantos e universidades do país, permitindo tantas conexões e parcerias. O tema de hoje discute algumas provocações do pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben sobre a pandemia, que tem suscitado tanta polêmica e discussão. Giovanna Faciola, que assina o presente texto, é também orientada pelo professor e amigo Ricardo Evandro Martins, professor do PPGD da UFPA, que tem sido um dos principais estudiosos de Agamben no nosso Estado e a quem agradeço pela parceria acadêmica. Passemos às nossas reflexões. Em tempos de novo coronavírus, as atenções se voltam para as medidas adotadas pelos governos a fim de superar a atual crise e seus impactos no âmbito social, político, sanitário, ambiental e econômico. O isolamento social foi tido, por grande parte dos Estados, como a principal maneira de combater a proliferação do vírus, trazendo, portanto, mudanças no cotidiano da população de vários países. Estudantes tiveram que se adaptar ao ensino a distância através das plataformas online; o home office foi a estratégia adotada por muitas empresas públicas e privadas; a instalação do toque de recolher; medidas de suspensão de venda e consumo de bebidas alcoólicas; prisão; e multa para quem sair de casa injustificadamente acenam a uma nova normalidade. Nesse contexto, o filósofo italiano Giorgio Agamben chamou atenção ao equiparar a COVID-19 a uma gripe comum, ou, como ficou conhecida na irresponsável fala do Presidente do Brasil, a uma “gripezinha”. Autor do imponente projeto Homo Sacer, onde desenvolve questões envolvendo a vida nua, soberania, biopolítica e estado de exceção, Agamben considerou que o novo coronavírus seria um exagero ou mesmo uma invenção do governo, uma espécie de estratégia para justificar e homologar medidas excepcionais de incremento de um estado policialesco. Para entender sua declaração, é preciso compreender e se remeter à teoria do autor de que o estado de exceção se tornou o paradigma de governo dos Estados contemporâneos, inclusive democráticos, que coexistem com seu inimigo mais aguerrido, que são os estados de exceção. O que antes era utilizado como solução provisória frente às situações de perigo, tornou-se a regra por intermédio do controle da vida nua. Esse controle consiste na inclusão da vida natural nos cálculos e estratégias do poder estatal. A partir disso, o Estado controla nossa vida nua através de suas normas e, assim, o estado de exceção persiste e se legitima. A perda de seu caráter temporário se dá pela normalização de situações e medidas excepcionais. Isso pôde ser visualizado no contexto da luta contra o terrorismo, que ocasionou a implementação de medidas de controle e segurança, fazendo com que cada cidadão fosse considerado um terrorista em potencial. Contudo, com o esgotamento do terrorismo como justificativa de medidas excepcionais, Agamben considera que a invenção de uma pandemia seria a melhor forma de se ampliar e legitimar tais medidas. O fato de o mundo já ter passado por epidemias graves, mas que não ocasionaram a declaração de um estado de emergência e seus corolários às restrições à liberdade, como ocorre no contexto atual, é considerado pelo filósofo como indício de que vivemos em uma crise inventada. Ademais disso, na era neoliberal, onde o mercado se tornou a prioridade, parece difícil acreditar que as preocupações governamentais e suas ações incisivas no combate ao vírus estejam focadas na centralidade do valor da vida. Importante mencionar que a declaração polêmica de Agamben ocorreu ainda no início da pandemia, num período em que as regras de isolamento na Itália ainda estavam sendo flexibilizadas. À luz das evidências atuais, tal percepção parece equivocada. Esse é o risco da escrita no calor dos acontecimentos. Nada melhor do que o distanciamento histórico para reflexões mais cautelosas e amadurecidas. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), após projeção mais tímida sobre a nocividade do novo coronavírus, retratou-se e elevou o status de “moderado” para “elevado” o risco internacional do COVID-19 ao perceber os reais perigos da doença. Após um mês da referida declaração, o filósofo italiano também posicionou-se de forma mais cuidadosa. Agamben atenuou seu posicionamento anterior ao dizer que os governos não necessariamente precisariam produzir a situação de exceção, mas explorá-la. De qualquer forma, a pista que o filósofo nos acena é bem interessante. Ele problematiza aspectos da pandemia que normalmente naturalizamos, a exemplo das restrições à liberdade. Aceitamos docemente tais medidas. Estamos dispostos a abrir mão de nossas rotinas, relações sociais e do contato com nossos afetos para não correr o risco da contaminação e acabamos normalizando tais restrições, convertendo a exceção em imperceptível estado permanente. Naturalizamos a vida em condições de crise e de emergência. Sacrificamos nossa liberdade em nome da segurança. Nesse contexto, Agamben alerta-nos sobre o risco do incremento de políticas totalitárias, que podem instrumentalizar o COVID-19, a exemplo dos poderes extraordinários concedidos ao Primeiro Ministro da Hungria, para a implementação de políticas de isolamento e outros mecanismos de controle que poderão continuar sendo adotados mesmo no pós crise. Assim, é o momento de refletirmos e sermos vigilantes à eventual manutenção desses dispositivos, para que possamos resistir à ampliação dos tentáculos do poder e à conversão da exceção à condição de normalidade naturalizada, como nos provoca Agamben. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofaemquarentena #estadodeexceção #Agamben REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo horizonte: Editora UFMG, 2002. AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004. AGAMBEN, Giorgio. La invención de uma epidemia. In: Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporáneo en Tiempos de Pandemias. Buenos Aires: Pablo Amadeo Editor. Editorial ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020. AGAMBEN, Giorgio. « L’épidémie montre clairement que l’état d’exception est devenu la condition normale . Le Monde, 24 de março de 2020. AGAMBEN, Giorgio. Una domanda. In: Quodlibet, 13 de abril de 2020.

  • (Re) pensar a divisão sexual do trabalho em tempos de pandemia

    Adriana Souza Simões Mestranda em Educação do Programa em Linguagens e Saberes da Amazônia da Universidade Federal do Pará, integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito e do Grupo de Pesquisa: Núcleo de Estudos em Educação, currículo, formação de professores e relações étnico-raciais (NEAFRO). Loiane Prado Verbicaro Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará. Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. A pandemia expõe a precariedade da vida, mas, ao mesmo tempo, a maior vulnerabilidade das pessoas já afetadas pelas nossas assimetrias históricas e estruturais. Ela nos afeta a partir das nossas vicissitudes, agravando-as. A pandemia não cria, mas desnuda, com novas lentes e tintas mais nítidas, os problemas da divisão sexual do trabalho. É um fato que a vida de todos sofreu mudanças disruptivas em decorrência da pandemia de COVID-19 e, com isso, surge a necessidade de adequação ao novo e de conciliação desta nova forma de viver com as mais variadas preocupações sociais, não apenas com os rumos futuros da economia e da saúde. Com a crise sanitária sem precedentes e a recomendação de isolamento social, os problemas da divisão sexual do trabalho são escancarados, levando-nos a (re) pensar a importância da persistência da luta feminista pela igualdade. O momento acentua as consequências das forças conservadoras que cultivam um apego a uma história mítica, na defensa de uma sociedade hierarquizada e patriarcal, que promove uma demonização às questões de gênero e a tantas outras pautas sociais e inclusivas, com o reforço de que as mulheres devem assumir, em razão de um dom natural, o dever do cuidado tanto no lar quanto na sociedade, o que reforça as desigualdades de gênero, merecendo uma reflexão especial desses desequilíbrios naturalizados. É urgente trazer à tona, em tempos de crise sanitária, o debate de gênero e a noção de “papel da mulher” para que se possa desmistificar o que se nomeou como trabalho, competência e lugar de mulher para evidenciar as consequências dessas divisões impostas. Federici (2017, p. 52-53) demonstrou que, historicamente, nas sociedades pré capitalistas a divisão sexual do trabalho apresentava-se com menos evidência, pois as mulheres exerciam tanto as atividades agrícolas, quanto as domésticas e estas não eram desvalorizadas e nem socialmente diferentes das exercidas pelos homens. Com a economia monetária, o trabalho doméstico deixou de ser visto como verdadeiro trabalho, relegado à subvalorização e ao desprestígio. A divisão sexual do trabalho é a forma como as sociedades se estruturam e delegam funções para as mulheres, tendo por destinação colocá-las nos espaços privados exercendo funções como os afazeres domésticos e, dentre outras, o cuidado com os filhos e familiares, tarefas essas que são socialmente rotuladas e naturalizadas como “função de mulher”, as quais tem por consequência (e intenção) a liberação dos homens desses ônus, pois assim, cabe a eles, majoritariamente, o exercício de funções na esfera pública, ocupações de forte valor social agregado, a exemplo do exercício de lideranças religiosas, cargos militares e mandatos políticos. Desse modo, a sociedade capitalista se estrutura e consegue se desenvolver às custas do trabalho doméstico não remunerado exercido pelas mulheres, em conformidade com tal evidência, dados do IBGE (2019) revelam que as mulheres dedicam o dobro do seu tempo, em relação aos homens, exercendo afazeres domésticos, dedicando, em média, 21,3 horas por semana, em comparação às 10,9 horas exercidas pelos homens. Nesse sentido, embora evidenciada a desigualdade de gênero, é importante que se interseccionalize a reflexão para uma perspectiva a partir da raça e classe dessas mulheres que se dedicam ao trabalho doméstico. Dados do IPEA (2019) revelam que das 6,2 milhões de pessoas que exercem trabalho doméstico, 3,9 milhões são mulheres negras, as quais correspondem à 63% do total de trabalhadores domésticos no país. Os mesmos dados demonstram que a cada 100 trabalhadoras negras, 14 são jovens, ao passo que, entre as brancas, 11 são jovens, evidenciando que a saída é mais intensa entre as brancas, pois estas conseguem alcançar maiores níveis de escolaridade e melhores condições de emprego. Percebe-se, portanto, que o trabalho doméstico é alimentado pela desigualdade e pelo racismo estrutural, Davis (2016, p. 17) afirma que o enorme espaço que o trabalho ocupa hoje na vida das mulheres negras reproduz um padrão estabelecido durante os primeiros anos de escravidão. Diante da pandemia da Covid-19, a questão relacionada ao exercício de trabalhos domésticos suscita especialmente duas perspectivas de análise. A primeira, a evidência de que, em decorrência do racismo estrutural, o trabalho doméstico, no Brasil, é exercido em sua maioria por mulheres negras, pertences a classes econômicas inferiores e com índices de escolaridade baixos, de modo que, diante da necessidade de realizar o isolamento social recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e Ministério da Saúde, encontram-se em situações ainda mais difíceis, pois sem o exercício do trabalho, não conseguem receber seus salários e arcar com a subsistência própria e de seus familiares, tendo em vista que muitas exercem a profissão na informalidade, sem carteira de trabalho assinada – menos de 30% são formalizadas (IPEA, 2019) – ou exercem na modalidade de diaristas, as quais só recebem mediante a conclusão da jornada de trabalho. A segunda perspectiva é a que afeta as mulheres de classe média e alta, empregadoras, que precisam dispensar suas empregadas domésticas, passando então, a exercer as atividades domésticas que antes eram delegadas. Neste momento, a divisão sexual do trabalho também evidencia-se. Muitas mulheres se depararam com a necessidade de desempenhar múltiplas atividades, tais como a realização dos afazeres ligados à família, o cuidado com a casa, o auxílio nas atividades escolares dos filhos, dar conta de exercer sua profissão através do home office, com exigências de produtividade, dentre outras tarefas. A sobrecarga mental e laboral que incide na vida das mulheres intensifica-se nesse momento de crise epidêmica, pois as principais responsabilidades familiares, domésticas, relativas à economia do cuidado, ademais das dificuldades financeiras, aumento da violência física, psicológica e emocional, e do acúmulo de atividades profissionais, incidem, de modo desproporcional, sobre a mulher, fazendo com que elas sejam afetadas de forma brutal e silenciosa, como pontua Federici (2019, p. 40) “eles dizem que é amor, nós dizemos que é trabalho não remunerado”. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofaemquarentena #divisaosexualdotrabalho REFERÊNCIAS BIROLI, Flávia. Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2018. BUTLER, Judith. El capitalismo tiene sus limites. In: Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporáneo en Tiempos de Pandemias. Buenos Aires: Pablo Amadeo Editor. Editorial ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020. DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. Trad.: Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2016. FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva. Trad: Coletivo Sycorax. São Paulo: Editora Elefante, 2017. FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. Trad: Coletivo Sycorax. São Paulo: Editora Elefante, 2019. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. Os desafios do passado no trabalho doméstico do século XXI: reflexões para o caso brasileiro a partir dos casos da PNAD contínua. Rio de Janeiro: Ipea, 2019.

  • Sobre a vida privada das mulheres em quarentena

    O Estado de São Paulo está há quase um mês em quarentena por conta do avanço do #CoronaVírus no país. São Paulo aparece como o principal epicentro da pandemia neste momento e já registra mais de setecentos mortos pela Covid-19. A rotina da mais rica e maior cidade do país, por sua vez, foi completamente alterada pela quarentena. Nunca a cidade viu arrefecer dessa maneira a circulação de veículos, pessoas e mercadorias. Pelo menos duas coisas chamam bastante a atenção nesse contexto. Um fato negativo: o absurdo aumento no registro de violência contra a mulher no período. E um fato positivo: a significativa melhora da qualidade do ar em decorrência de uma diminuição recorde da poluição na Capital. A pandemia escancarou para os paulistanos e paulistanas dois problemas sobre os quais pouco conversamos, embora saibamos de sua gravidade. A vida das mulheres nunca foi tão difícil, e isso porque, é preciso salientar, ela jamais foi fácil... Acostumadas a enfrentar jornadas duplas de trabalho, as mulheres se viram drasticamente atingidas pela pandemia e também pela quarentena. As crianças estão em casa, fora da escola, e por isso demandam atenção e cuidado em tempo integral. Os idosos estão sob maior risco de vida, e cabe, na maioria dos casos, às mulheres dar conta da tarefa de zelar por eles. Aquelas que estão na linha de frente do combate à doença (médicas, enfermeiras, profissionais da saúde e da limpeza, funcionárias de farmácias e supermercados, entre outras) lidam agora com a presença do vírus e veem sua própria saúde e a de seus familiares postas em perigo adicional, seja porque essas mulheres têm de voltar para casa depois de um dia de trabalho em locais de grande circulação de doentes e de possíveis contaminados, seja porque tem de se afastar dos seus, isolamento que as impede de tomar conta destes pessoalmente, em nome da saúde pública. Como se não bastasse, a crise econômica atinge de maneira cruel os mais pobres, e isso não parece sensibilizar o poder público, o qual demora para dar assistência às famílias mais vulneráveis, a maioria delas chefiadas por mulheres. Por fim, houve um aumento significativo nos índices de violência contra a mulher no período. A reclusão ao lar fez com que muitas se tornassem alvo preferencial de companheiros, os quais não hesitam em descontar nas mulheres o estresse e o descontentamento gerado pela pandemia. Não há dúvida: as mulheres se veem agora terrivelmente atingidas pelo fenômeno, de modo que sua vida privada tem se revelado, não um refúgio para onde elas se recolhem para cuidar com tranquilidade daqueles que dependem da sua atenção, mas sim um local de trabalho sobrecarregado e perigoso. São Paulo, assim como a maioria dos lugares, tem vitimado as mulheres no processo de combate ao avanço da Covid-19 no nível da saúde física e mental, mas também em termos econômicos, sociais e relativos à segurança. A pandemia tem reforçado as tintas que colorem o sofrimento das mulheres e é urgente que medidas sejam tomadas no sentido de minimizar ou mesmo erradicar esses ataques a sua qualidade de vida e a sua própria sobrevivência. Ao olhar pela janela, contudo, paulistas e especialmente paulistanos e paulistanas têm se deparado com um novo horizonte, algo que os impele a refletir sobre o futuro pós-pandemia. O estilo de vida que adotamos até agora, o qual exige enormes deslocamentos de pessoas, gera um trânsito insano, responsável por roubar horas e horas diárias de muitos trabalhadores e trabalhadoras, e isso em meio a condições precárias de transporte, tanto individual quanto coletivo. Nosso trânsito é sem dúvida um problema de saúde pública, e não há mais como esconder esse fato. Ele põe em risco nossa saúde física e mental, além de tirar de nós preciosos momentos os quais poderiam ser desfrutados na companhia daqueles que amamos e que dependem da nossa presença. Ver, depois de semanas de quarentena, fechados em nossos lares, o céu da cidade limpo, o que permite observar as estrelas à noite, é um acontecimento que tem nos espantado. Nós, que estamos acostumados ao céu nublado pela poluição, e que nunca temos tempo para contemplar qualquer coisa, nos dedicamos agora a essa nova possibilidade: contemplar os astros que invadem nossas janelas e varandas. Dos edifícios, e também das casas, os paulistanos e paulistanas fotografam a novidade e espalham seus registros pelas redes sociais. O céu nos ajuda literalmente a suportar o isolamento e suas consequências. Essa visão nos indica um caminho a seguir: começamos limpando o céu, para que a cidade lá fora possa nos ofertar novas cores, sons e aromas. Não nos esqueçamos, porém, de aliviar as tensões que rondam a vida privada das mulheres: que elas também possam desfrutar no futuro de uma nova cidade, preocupada com o cuidado daquelas que socialmente geram e suportam a vida.

  • Os dispositivos biopolíticos e o paradoxo das (in)certezas futuras

    Paloma Sá Souza Simões Mestranda em Direito do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Pará, integrante do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito e do Grupo de Pesquisa (CNPq): Centro de Estudos sobre Instituições e Dispositivos Punitivos - CESIP-MARGEAR. Loiane Prado Verbicaro Professora da Faculdade de Filosofia e do Programa de Mestrado em Filosofia da Universidade Federal do Pará. Líder do Grupo de Pesquisa (CNPq): Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. Embora as discussões a respeito da pandemia ocasionada pelo Covid-19 terem se concentrado sob a perspectiva dos conflitos entre economia e saúde, o momento coloca em pauta, como afirma Maristella Svampa (2020), a importância de grandes debates sociais em torno da crise. É o momento de refletirmos amplamente sobre as desigualdades de gênero, raça, classe, os problemas ambientais, as políticas neoliberais, o capitalismo e suas nuances. Nesse contexto, destacamos a importância de discutirmos as questões biopolíticas que o atual contexto nos impõe. Ainda na década de 1970, Foucault já chamava atenção para a sua hipótese de que o poder moderno é o da biopolítica, de controle da população, e que os dispositivos disciplinares individuais não se mostravam mais suficientes para controlar os corpos, fazendo-se necessário o surgimento de novas tecnologias capazes de potencializar o controle da vida biológica que havia se tornado objeto da política. A biopolítica, portanto, é um poder que se utiliza de um viés estatístico e visa à intervenções preventivas para garantir o controle das populações. Não se trata de considerar o indivíduo na sua particularidade, mas de considerá-lo em uma escala global e “de assegurar sobre eles não uma disciplina, mas uma regulamentação” (FOUCAULT, 1999, p. 294), a qual visa a eliminação dos riscos e a garantia da segurança. Na atual crise exposta pela pandemia observamos o uso de diversos dispositivos biopolíticos, como as medidas de exceção, no intuito de conter o avanço da doença. Muitos países decretaram estado de emergência ou de calamidade pública, como o Brasil, o que possibilitou com que seus governantes adquirissem amplos poderes e pudessem adotar medidas excepcionais, inclusive, no sentido de limitação dos direitos fundamentais à liberdade de locomoção e manifestação, todas essas ações fundamentadas na garantia da segurança da população visando o impedimento do avanço dos casos de Covid-19. Medidas como a de monitoramento do distanciamento social por meio do rastreamento de dados telefônicos, como foi implementada pelos governos de Hong Kong, China e Israel, a implementação do toque de recolher em países como Chile e Itália, a utilização do aparato burocrático estatal para aplicação de multas àqueles que violam a quarentena obrigatória, como realizado pela França, a isenção de responsabilidade penal por uso de armas letais pelas forças de segurança em resposta à desobediência civil do toque de recolher, como efetivado no Peru e a ameaça de prisão aos que estiverem realizando aglomerações em desconformidade com a quarentena, como determinado pelo governador de São Paulo, são apenas alguns exemplos de ações emergenciais adotadas pelos países sob a justificativa de serem mecanismos aptos na contenção do avanço do coronavírus. A pandemia vivida explicita a atualidade do pensamento do filósofo italiano Giorgio Agamben sobre a exceção como dispositivo biopolítico. Agamben tem se manifestado sobre a pandemia do coronavírus e os riscos de ampliação dos tentáculos do poder avassalador do Estado, com a possibilidade de normalização do estado de exceção. Exemplo emblemático de suas ideias foram os poderes extraordinários concedidos ao Primeiro Ministro da Hungria, Viktor Orbán, um aliado ideológico do governo do Presidente do Brasil. Conforme alerta Agamben, governos com traços autoritários podem fazer uso de uma emergência para consolidar a escalada rumo à ditadura. Pode-se inclusive vislumbrar um regime policialesco a partir da vigilância biopolítica digital, nos moldes chineses, convertendo a excepcionalidade da situação em estado de exceção permanente e normalizado, uma espécie de panóptico que confina a população a viver trancada e sob forte vigilância. Nesse sentido, um olhar cauteloso em torno dos dispositivos biopolíticos nos revela que eles possuem uma relação paradoxal. Enquanto mecanismos que apresentam soluções rápidas e eficazes no combate ao avanço da pandemia, eles passam a ser vislumbrados como legítimos e a sua existência se torna necessária para a sua utilização em emergências futuras e, inclusive, em situações de “normalidade”, em nome da segurança pública. Concomitantemente, eles requerem uma atenção especial, pois são medidas excepcionais invasivas nos direitos e liberdades individuais que proporcionam a ampliação dos poderes dos governantes, os quais, se mal intencionados, podem se aproveitar da oportunidade para empregar uma política mais autoritária. Nesse sentido, uma vez identificado o sucesso da utilização dessas técnicas para a contenção da pandemia e do controle dos indivíduos em distanciamento social, muitos governantes podem sentir-se legitimados a realizar a utilização destas mesmas técnicas no futuro próximo, buscando a todo instante encontrar justificativas e razões para, em nome da segurança, se revestir dessa excepcionalidade e colocar em prática os dispositivos. Por isso enfatizamos a necessidade de reflexão sobre as relações futuras dos governos com esses dispositivos biopolíticos postos em prática durante esse período de pandemia. Se as hipóteses agambenianas estão certas “a forma da relação direito-vida é sempre soberana e é sempre biopolítica e funciona, como já identificado por Schmitt, através do paradoxo da exceção” (BAZZICALUPO, 2017, p. 98). Desse modo, a soberania permanecerá realizando buscas constantes para exceder os seus limites, sob a justificativa de urgência da proteção da vida, e controlar, por meio da relação de exceção, as vidas nuas, ao mesmo tempo em que “o estado de exceção tende cada vez mais a se apresentar como o paradigma de governo dominante na política contemporânea” (AGAMBEN, 2004, p. 13). Uma vez atingido o sucesso desses dispositivos no controle da contenção da pandemia, não se torna impossível o seu uso e êxito no controle futuro da cidadania, na utilização dessas medidas excepcionais para o impedimento de mobilizações e reivindicações sociais, ampliação de medidas de segurança para, cada vez mais, realizar o controle dos corpos e relativizar o exercício das liberdades individuais, tudo em nome da garantia de segurança à vida da população. Quando Agamben (2020b, p. 255) afirma que nós nos acostumamos a viver em situações de crise e emergência permanente e não percebemos que a nossa vida se tornou uma condição apenas biológica, perdendo a sua dimensão social e política, e aceitamos o sacrifício da nossa liberdade por razões de segurança, no nosso entender, é um alerta feito pelo autor para a maneira como temos lidado com as questões políticas, com a constante despolitização dos referidos assuntos em decorrência da constante convivência com as decisões políticas baseadas na emergência, proteção e segurança das nossas vidas como se elas fossem a normalidade. Se essas hipóteses são verdadeiras, só o futuro e suas (in) certezas nos revelarão, enquanto isso nos cabe o papel de refletir sobre estas e muitas outras questões sociais que a pandemia nos explicita e de permanecermos atentas à importância da politização desses debates. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasOrg #filosofaemquarentena #biopolitica REFERÊNCIAS AGAMBEN, Giorgio. La invención de uma epidemia. In: Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporáneo en Tiempos de Pandemias. Buenos Aires: Pablo Amadeo Editor. Editorial ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020a. AGAMBEN, Giorgio. Aclaraciones. In: La fiebre. Buenos Aires: Pablo Amadeo Editor. Editorial ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020b. AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. Trad.: Iraci D. Poleti. 2 ed. São Paulo: Boitempo, 2004. BAZZICALUPO, Laura. Biopolítica: um mapa conceitual. São Leopoldo (RS): Ed. Unisinos, 2017. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). Trad: Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1999. SVAMPA, Maristella. Reflexiones para um mundo post-coronavirus. In: La fiebre. Buenos Aires: Pablo Amadeo Editor. Editorial ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020.

  • Introdução ao Feminismo no lançamento do nosso novo canal

    Nosso curso online de Introdução ao Feminismo teve 2880 inscritos para 90 vagas. Nós transformamos a dificuldade em oportunidade e vamos divulgar as aulas em nosso novo canal. Sabemos que nada substitui uma sala de aula, mas essa foi a melhor alternativa que conseguimos nessa circunstância. As aulas serão disponibilizadas tão logo seja tecnicamente possível. Inscreva-se no nosso canal para receber uma notificação da publicação. Conheça aqui o nosso novo canal Para visualizar a lista de inscrições homologadas, clique aqui. #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasemquarentena #intruducaoaofeminismo #filosofasOrg

  • Tomar posição diante das imagens

    Juliana de Moraes Monteiro Doutora em Filosofia pela PUC-Rio. Atualmente, é bolsista nota 10 da FAPERJ, realizando Pós-doutorado em Filosofia sob a supervisão da Profa. Dra. Carla Rodrigues na UFRJ. As imagens dos caixões empilhados, das valas funerárias e as notícias de milhares de mortos sem direito a qualquer rito funerário que inundaram os noticiários, jornais e redes sociais durante a pandemia causada pelo Covid-19 impactaram sensivelmente os espectadores ao redor do mundo. A hipótese que elaboro aqui busca responder ao efeito dessas imagens: nessa leitura, proponho pensar que elas não nos atingem simplesmente porque revelam os acontecimentos do presente conferindo-lhes uma visão recortada de uma realidade catastrófica. Ao contrário, o que há de angustiante nessas imagens é que nelas se inscrevem coisas impossíveis de dizer. Um excesso, algo em torno do qual a linguagem orbita, sem nunca conseguir enunciar totalmente, como uma falha alocada no cerne de sua formação. São imagens que podemos nomear como traumáticas, justamente porque apontam diretamente para o real, e o real vem para nos afetar de maneira mais cruel do que a própria realidade. O objetivo deste pequeno texto remete a uma convocação para se deter nessas imagens, não apenas porque elas são signos visuais que exprimem e narram a verdade tal como está acontecendo, mas porque elas são o testemunho de um trauma histórico do presente. Testemunhar não é proferir um discurso coerente, nem tampouco esclarecer ou demonstrar um conhecimento sobre algo que foi vivido. Ao contrário, na linguagem testemunhal está em jogo uma perda da linguagem, algo que não é comunicável ao outro e que permanece sem-forma no dizer. A respeito do testemunho, o filósofo italiano Giorgio Agamben nos diz: Podemos dizer que dar testemunho significa pôr-se na própria língua na posição dos que a perderam, situar-se em uma língua viva como se fosse morta, ou em uma língua morta como se fosse viva. (...) A respeito de que tal língua dá testemunho? Porventura de algo – fato ou evento, memória ou esperança, alegria ou agonia – que poderia ser registrado no corpus do já-dito? Ou da enunciação, que atesta no arquivo[1] a irredutibilidade do dizer ao dito? Não enunciável, não arquivável é a língua na qual o autor consegue dar testemunho de sua incapacidade de falar. (AGAMBEN, 2008, pp. 169-161) No texto “Educação e crise: as vicissitudes do ensinar”, Shoshana Feldman relata a experiência de projetar vídeos do Fortunoff Video Arquive contendo testemunhos do Holocausto a sua classe de alunos para trabalhar questões como trauma, testemunho, narração e história. Como referências, ela trabalha em sala de aula autores como Freud, Camus e, principalmente, Paul Celan, o poeta que, junto com Primo Levi, se converteu em uma das grandes vozes testemunhais do universo concentracionário. Após a experiência de assistir às imagens dos testemunhos com os alunos, Feldman recria o texto da “Palestra de Bremen” de Celan, que havia sido lido na sala de aula durante o curso. De acordo com ela, os alunos vivenciaram uma “perda da linguagem" (FELDMAN, 2000, p. 63), lidaram com o sentimento de que “a linguagem era inadequada” (Ibidem, p. 63) e sentiram uma espécie de “desconexão” (Ibidem, p. 63). O que ela tentava transmitir para os alunos é que é “precisamente desta perda que Celan fala, esta perda para a qual todos nós fomos, de alguma forma, feitos para viver” (Ibidem, p. 63). É preciso sublinhar que essa perda estrutural, para a qual nós mesmos fomos feitos para viver, diz respeito ao transbordamento evocado pelo mecanismo traumático. Assim, há algo de suspenso na linguagem, sobre o qual é possível falar ou não falar, que põe em xeque a pressuposição de que há uma conjunção perfeita entre o plano do significado e o do significante, por meio da qual a linguagem operaria sem falhas garantindo o sentido e a conciliação harmônica na comunicabilidade. Esse domínio da linguagem no qual experimentamos um desamparo traumático, em que ficamos nus e expostos ao fora da linguagem, é o que, nas palavras do próprio Celan, pode ser evocado pela expressão das “mil escuridões dos discursos que trazem a morte” (CELAN apud FELDMAN, 2000, p. 63). Como na assustadora imagem do poeta, as imagens – pelo menos aquelas sobre as quais precisamos nos debruçar em um mundo saturado por imagens – também são inadequadas, como se também uma escuridão terrível as assombrasse. Como o filósofo Georges Didi-Huberman escreve em Quando as imagens tomam posição, elas têm um “excesso de conhecimento” (DIDI-HUBERMAN, 2017 p. 237) que não deve ser entendido apenas no sentido positivo da transmissão histórica de algum conteúdo que pode ser facilmente assimilado, mas justamente o oposto disso: enquanto excesso, elas expressam sempre um resto que não pode ser domesticado pelo discurso. Quando nos colocamos diante da imagem para vê-la, ela também nos olha, e na distância entre o olhante e o olhado se produz uma perda, que é sempre traumática para o sujeito e fonte de mal-estar. Quando eu olho para as imagens excessivas da morte causada pelo Covid-19, eu não vejo apenas aquilo que se apresenta como visível, mas me exponho à ameaça das mil escuridões sobre a qual fala Celan, escuridão que, mesmo sem recursos de uma ordem estabelecida – uma vez que ela não mais existe –, nós teremos de atravessar. Como afirmou o filósofo camaronês Achille Mbembe em texto publicado durante essa semana sobre a epidemia de coronavírus que acomete o planeta, “nunca aprendemos a morrer” (MBEMBE, 2020, n.p), o que quer dizer simplesmente: é desde sempre urgente nossa responsabilidade ética com tal aprendizado. [1] Nessa passagem, Agamben faz referência a uma discussão desenvolvida previamente a respeito do conceito de arquivo que, segundo ele, seria oposto ao conceito de testemunho. O filósofo está dialogando sobretudo com o Foucault de Arqueologia do saber, ao afirmar que “entre a memória obsessiva da tradição, que conhece apenas o já dito, e a demasiada desenvoltura do esquecimento, que se entrega unicamente ao nunca dito, o arquivo é o não-dito ou o dizível inscrito em cada dito”, ao passo que o testemunho é “o sistema de relações entre o dentro e o fora da langue, entre o dizível e o não-dizível em toda língua – ou seja, entre uma potência de dizer e a sua existência, entre uma possibilidade e uma impossibilidade de dizer”. No sentido da proposição filosófica de Agamben, enquanto o arquivo se inscreve na modalidade do possível ou do impossível, o testemunho, enquanto atravessa por uma potência ou impotência do dizer, pertence ao campo da contingência. Justamente por isso, ele diz mais à frente: “o testemunho é uma potência que adquire realidade mediante uma impotência de dizer e uma impossibilidade que adquire existência mediante uma possibilidade de falar." Na articulação que proponho no texto, as imagens não pertenceriam à dimensão arquivística, mas sublinhariam a condição de testemunhas do evento, justamente porque elas não são compreendidas apenas como meras evidências visuais de um fato (Cf. AGAMBEN, 2008, pp. 145-146). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha (Homo Sacer III). Tradução de Selvino J. Assmann. São Paulo: Boitempo, 2008. DIDI-HUBERMAN, George. Quando as imagens tomam posição. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2017. FELDMAN, Soshana. ““Educação e crise: as vicissitudes do ensinar”. In: NESTROVSKY, Arthur; SELIGMANN-SILVA, Márcio (Orgs.). Catástrofe e representação: ensaios. São Paulo, Escuta, 2000. MBEMBE, Achille. “ O direito universal à respiração”. Tradução de Mariana Pinto dos Santos e Marta Lança. Disponível em: https://www.buala.org/pt/mukanda/o-direito-universalrespiracao?fbclid=IwAR3zWof4fMjXC3MrWKxdAbm1VwuetzG2YsjyObPW-Egc1ioGKZb4SvTtyIA. Acesso em 10 de abril de 2020.

  • A anomia social imposta pela pandemia amplia as desigualdades de gênero

    Juliana Machado Aluna do Mestrado em Direito Cesupa e integrante do Grupo de Pesquisa: Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. Loiane Prado Verbicaro Professora da Faculdade de Filosofia e do PPGFIL da Universidade Federal do Pará. Coordenadora do Grupo de Pesquisa: Filosofia Prática: Investigações em Política, Ética e Direito. A pandemia do vírus SARS-Cov-2 tem sido discutida principalmente através de dois prismas: saúde e economia. Essas são as duas lentes macro representativas de um cenário que atinge sujeitos e, portanto, o campo micro, individual. É imprescindível abordar as especificidades componentes dos sujeitos atingidos pelas mudanças sociais e econômicas que estamos experienciando, pois a compreensão da pluralidade social assegura uma visão dinâmica e mais coerente da sociedade. Temos, assim, mais capacidade de entender a situação acentuada de vulnerabilidade em que determinados grupos, como o das mulheres, se encontram. Posicionamentos como o do Vice-Ministro da Saúde do Irã, Iraj Harirchi, quando afirma que o coronavírus é “[...] um vírus democrático e não faz distinção entre ricos e pobres, entre estadistas e cidadãos comuns”, trazem o entendimento de que a manifestação da doença não discrimina, uma vez que trataria a todos com igualdade. No entanto, a desigualdade social e econômica garantirá a discriminação do vírus. “O vírus por si só não discrimina, mas nós humanos certaremos o fazemos”. (BUTLER, 2020). Trata-se de um mito conveniente de que as doenças infecciosas desconhecem classe social ou outros marcadores de desigualdade. Decerto que os maiores impactos econômicos e sociais serão sentidos mais drasticamente pelos mais vulneráveis. A anomia social imposta em tempos epidêmicos amplia as desigualdades de gênero baseadas na divisão sexual do trabalho. Há, portanto, impactos desproporcionais aos sujeitos sociais, agravando-se ao fato de que o sistema opressivo se articula, interseccionando gênero, raça, classe social e territorialidade nas suas exclusões, atingindo especificamente as mulheres de forma multifacetada e multiexperienciada. Desde a antiguidade clássica grega a divisão sexual do trabalho estabeleceu-se. Aristóteles utilizou-se de dois termos do grego clássico que, semanticamente, referem-se à palavra vida: a) zoé, relativo à vida natural; ao simples fato de viver comum a todos os seres vivos; b) bíos: que consiste na vida politicamente qualificada e na politização ligada à linguagem e aos juízos de bem, mal, justo e injusto. Trata-se do bem viver, que é o telos da política. Esses termos marcam a separação entre o doméstico, campo de cuidado com a reprodução e continuidade da vida, conduzido pelas mulheres e o político, assumido pelos homens, ao se emanciparem dos cuidados com a casa. Essa delimitação persiste, com a naturalização de que o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos, os idosos e os enfermos são tarefas precípuas das mulheres. No Brasil, 92,6% da população brasileira feminina com idade acima de 14 anos, é responsável pela atividade doméstica e cuidado de pessoas, gastando uma média de 21 horas semanais com essas atividades, como informam os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (IPEA, 2019). Para analisarmos esse dado, é necessário compreender que o sexismo, exerce “[...] sua violência simbólica de maneira especial sobre a mulher negra” (GONZALES, 1984, p. 228), pois as relações de poder imbricadas em múltiplas estruturas dinâmicas interseccionam uma instrumentalidade “[...] teórico-metodológica à inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado – produtores de avenidas identitárias em que mulheres negras são repetidas vezes atingidas [...]” (AKOTIRENE, 2018, p. 19). Os números referentes ao trabalho doméstico e do cuidado que englobam mulheres negras, demonstram duplas jornadas de trabalho, admitindo às jornadas pagas, pelos serviços destinados ao cuidado no seu ambiente de trabalho e às jornadas não pagas, as quais adicionam o cuidado de si, da casa e com seus familiares, em uma média de mais de 50 horas semanais de trabalho doméstico e respondendo por 63% do total de trabalhadores domésticos do país. Nota-se que a força de trabalho que se dedica ao cuidado dos números crescentes de doentes é altamente sexista, racializada e etnicizada no Brasil e na maior parte do mundo. (IPEA, 2019). As mulheres representam ainda, cerca de 70% da força de trabalho na área da saúde, o que mostra a feminização dessa força de trabalho e as coloca no pelotão de frente ao combate, com maior possibilidade de contaminação pelo vírus. Sem, contudo, trazer ao debate público as particularidades dos acúmulos de função historicamente assumidos pelas mulheres, o que permite o acentuamento da sua vulnerabilização. A exemplo, a equipe de enfermagem brasileira é composta por 84,6% de mulheres, cujo salário, de mais da metade do contingente empregado, não passa de R$2.000,00 (dois mil reais). Esse fato as coloca junto com cerca de 80% da população brasileira com renda familiar per capita mais baixa. Temos então, uma mulher possivelmente periférica, com acúmulo de jornada de trabalho, diretamente exposta às múltiplas desigualdades econômicas, também de gênero e raça, lidando diariamente com as diferentes frentes de vulnerabilização expostas pela pandemia. (COFEN, 2011). Além disso, as mulheres também são vítimas de uma onda de violência doméstica, física e sexual. As medidas de quarentena, associadas ao convívio em tempo integral, ao uso indiscriminado de álcool e às dificuldades financeiras, propiciam o desenvolvimento de comportamentos abusivos por seus companheiros. O distanciamento social acaba dificultando o acesso das mulheres às redes de proteção, o que tem ocasionado um significativo crescimento no número de denuncias por violência doméstica no mundo, o que fez o Chefe da ONU, António Guterres, emitir um alerta aos países que estão praticando o isolamento social como forma de prevenção à propagação do vírus. São, portanto, muitas as frentes que amplificam a desigualdade de gênero nesse momento de pandemia. Como afirma Carolina Araújo, a crise é a hora da filosofia. É o momento de reavaliarmos os problemas mais profundos de nossas sociedades, o que passa análise das desigualdades estruturais e fundantes que normalizaram o sexismo, o racismo e o classismo sobrepostos e interconectados às demais categorias de diferenciação. É tempo de refletir sobre a sobrevivência do regime de privilégios legalizados e desigualdades legitimadas que nos conduzem, persistentemente, ao aumento da vulnerabilidade, iniquidade e fratura social. É tempo de reiterar os nossos firmes compromissos com a implementação de uma agenda igualitária. Referências AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade. São Paulo: Pólen, 2018. ARISTÓTELES. A Política. Bauru: Edipro, 2009. BUTLER, Judith. El capitalism tiene sus limites. In: Sopa de Wuhan: Pensamiento Contemporáneo en Tiempos de Pandemias. Buenos Aires: Pablo Amadeu Editor. Editorial ASPO (Aislamiento Social Preventivo y Obligatorio), 2020. COFEN. Comissão de bussiness inteligence. Brasília: Conselho Federal de Enfermagem, 2011. GONZALES, Lélia. Racismo e Sexismo na cultura brasileira. Revista em Ciências Sociais Hoje. Caxambu, MG, Anpocs, 1984, p. 223-244. INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA. Texto para discussão 2528. Brasília: IPEA, 2019. PERISSÉ, C.; LOSCHI, M. Trabalho de mulher. Retratos. Rio de Janeiro, n. 17, p. 19, jul. ago. 2019. Revista Divulgação em Saúde para Debate. No.45 maio 2010, Rio de Janeiro, p. 54-70.

  • Introdução ao feminismo: curso online gratuito

    A Rede Brasileira de Mulheres Filósofas apresenta o seu primeiro curso online. Totalizando 20 (vinte) horas, o curso Introdução ao Feminismo terá seis aulas, cada uma ministrada por uma professora especialista que abordará temas da teoria feminista no Brasil e na América Latina. O curso será gratuito, oferecido na modalidade à distância pela Plataforma https://meet.google.com/ e poderá ser realizado de qualquer lugar do Brasil com acesso à internet. Após a participação em pelo menos 75% das aulas, as(os) participantes poderão solicitar certificado. Coordenação: Profa. Dra. Rita de Cássia Fraga Machado – Universidade do Estado do Amazonas (UEA) Período: 15/04 a 20/05/2020 Horário: quartas-feiras das 18h às 20h30 (BSB) Inscrições: até 13/04 às 10:00hs apenas aqui ​ 1. CRONOGRAMA AULA 01 – 15/04 – Introdução ao Feminismo – Dra. Ilze Zirbel, UFSC AULA 02 – 22/04 – Feminismo Marxista – Dra. Rita Machado, UEA AULA 03 – 29/04 – Feminismo Negro – Dra. Halina Leal, FURB AULA 04 – 06/05 – Feminismos Indígenas – Dra. Lia Pinheiro Barbosa, UECE AULA 05 – 13/05 – Estética Feminista – Dra. Carla Damião, UFG ​ AULA 06 – 20/05 – Feminismos Subalternos – Dra. Susana de Castro, UFRJ ​ 2. BIBLIOGRAFIA BÁSICA BARBOSA, Lia Pinheiro. Florescer dos Feminismos na luta das mulheres indígenas e camponesas na América Latina. Revista NORUS, vol.7, n. 11, 2019. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/NORUS/article/view/17048 CISNE, Mirla. Feminismo e marxismo: apontamentos teórico-políticos para o enfrentamento das desigualdades sociais. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 132, p. 211-230, mai/ago. 2018. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/sssoc/n132/0101-6628-sssoc-132-0211.pdf GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo latino-americano. Caderno de formação política do círculo palmarino n.1: batalha de ideias. Brasil, 2011. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/271077/mod_resource/content/1/Por%20um%20feminismo%20Afro-latino-americano.pdf LUGONES, María. Colonialidad y género. Tabula Rasa. Bogotá - Colombia, No.9: 73-101, julio-diciembre 2008. Disponível em: https://www.revistatabularasa.org/numero-9/05lugones.pdf QG FEMINSTA. Existem “vertentes” no feminismo? QG Feminista. 05 de março de 2018. Disponível em: https://medium.com/qg-feminista/quais-s%C3%A3o-as-principais-vertentes-do-feminismo-ae26b3bb6907 QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder: eurocentrismo e América Latina. In:_____. A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latino-americanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. Disponível em: http://biblioteca.clacso.edu.ar/clacso/sur-sur/20100624103322/12_Quijano.pdf ROELOFS, M. “Estética, endereçamento e ‘sutilezas’ raciais”. In: DAMIÃO, C.M/ALMEIDA, F.F. Estética em Preto e Branco. Goiânia, Editora Ricochete. Disponível em: https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/688/o/Estetica_em_Preto_e_Branco_-_ebook_final.pdf SACAVINO, Susana.  Tecidos feministas de Abya Yala: Feminismo Comunitário, Perspectiva Decolonial e Educação Intercultural. Uni-Pluri/Versidade, vol. 16. n. 2, 2016. Disponível em: https://pdfs.semanticscholar.org/ecbc/2781b69219ecd75f03335906b2b2e62987b6.pdf ​ 3. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR AKOTIRENE, Carla. Interseccionalidade.São Paulo: Pólen, 2019. BALLESTRIN, Luciana. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência Política, 2013, n.11, pp.89-117. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-33522013000200004&script=sci_abstract&tlng=pt CARNEIRO, Sueli. Racismo, Sexismo e desigualdade no Brasil. São Paulo: Selo Negro Edições, 2011 CISNE, Mirla. Marxismo: uma teoria indispensável à luta feminista. In: 4º Colóquio Marx e Engels, 2005, Campinas/SP. 4º Colóquio Marx e Engels, 2005. COLLINS, Patrícia Hill. Pensamento Feminista Negro: conhecimento, consciência e a política do empoderamento; tradução Jamile Pinheiro Dias. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2019. DAMIÃO, C.M. “O sublime revisitado sob perspectivas feministas”. In: FREITAS, V./COSTA, R./PAZETTO, D. O trágico, o sublime e a melancolia. Belo Horizonte, Editora Relicário, 2016. DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe; tradução Heci Regina Candiani. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2016. DE CASTRO, Susana. “Condescendência: estratégia pater-colonial de poder”. In: Hollanda, Heloisa Buarque de (org.). Pensamento Feminista Hoje: perspectivas Decoloniais. Rio de Janeiro: bazar: 2020. DESCARRIES, Francine. Teorias Feministas: Liberação e Solidariedade no Plural. Textos de História, Revista do Programa de Pós-graduação em História Da UnB., vol. 8, no 1, p. 09-45, 2000. Disponível em: https://periodicos.unb.br/index.php/textos/article/view/27802 FANON, Frantz. Peles Negras, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. FEDERICI, Silvia. Calibã e a Bruxa. Mulheres, corpo e acumulação primitiva. São Paulo: Elefante, 2019. GONZALEZ, Lélia, HASENBALG, Carlos. Lugar de Negro. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1982. GROSFOGUEL, Ramón. “Para uma visão decolonial da crise civilizatória e dos paradigmas da esquerda ocidentalizada”. In: Bernadino-Costa, Joaze et ali (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. HOOKS, bell. E eu não sou uma mulher? Mulheres negras e feminismo; tradução Bhuvi Libanio. 1 ed. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019. _________. Teoria Feminista: da margem ao centro; tradução Rainer Patriota. – São Paulo: Perspectiva, 2019. (originalmente publicado em 1984). HUXLEY, A. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo, 2014. KILOMBA, Grada. Memórias da Plantação: Episódios de racismo cotidiano; tradução Jess Oliveira. 1 ed. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019. LEAL, Halina. Da/os outra/os para si, mulheres negras e laços sociais. Correio APPOA. N. 292, outubro de 2019. MALDONATO-TORRES, Nelson. “Analítica da colonialidade e da decolonialidade: algumas dimensões básicas”. In: Bernadino-Costa, Joaze et ali (org.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. “De por qué es necessário um feminismo descolonial: diferenciación, dominación co-constitutiva de la modernidade occidental y el fin de la política de la identidade”. Solar, Lima, v.12, n.1, p.141-171. Disponível em: http://revistasolar.org/wp-content/uploads/2017/07/9-De-por-qu%C3%A9-es-necesario-un-feminismo-descolonial...Yuderkys-Espinosa-Mi%C3%B1oso.pdf MORAES, Maria Lygia Quartim de. Marxismo e feminismo: afinidades e diferenças. Crítica Marxista, São Paulo, v. 1, nº 11, p. 89-97, jan.2000. MORRISON, Toni. A origem dos outros: seis ensaios sobre racismo e literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. RIBEIRO, Djamila. O que é lugar de fala?; Belo Horizonte: Letramento: Justificando, 2017. _____________. Quem tem medo do feminismo negro? São Paulo: Companhia das Letras, 2018. ROELOFS, M. The Cultural Promisse of the Aesthetic. London/New York: Bloomsbury, 2014. ​ ​ 4. QUEM SOMOS ​ CARLA MILANI DAMIÃO é professora associada na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Goiás, dos Programas de Pós-Graduação em Filosofia (PGFIL) e Arte e Culturas Visuais (PPGACV) na mesma Universidade. Publicou e organizou livros, sendo o último Estéticas Indígenas. Atua principalmente na área de Estética e Filosofia da Arte e participa com entusiasmo das discussões feministas como membro fundadora do GT de Filosofia e Gênero da ANPOF. Lattes: http://lattes.cnpq.br/2366404598683251 ​ HALINA MACEDO LEAL é Bacharel em Filosofia pela UFRGS (1998), Mestre em Filosofia pela UFSC (2001) e Doutora em Filosofia pela USP (2005), com estágio na Universidade de Stanford, Califórnia. Possui Pós-Doutorado em Filosofia pela UNIOESTE (2014).  Professora da FURB e líder do GENERA - Grupo Interdisciplinar de Pesquisas em Gênero, Raça e Poder, FURB. Lattes: http://lattes.cnpq.br/5698575555739025 ​ ILZE ZIRBEL é formada em História e Teologia, com mestrado em Sociologia Política e doutorado em Filosofia. Atualmente faz seu pós-doutorado em Filosofia na Universidade Federal de Santa Catarina e participa do projeto “Uma filósofa por mês”. Questões e teorias feministas têm sido seu fio condutor em meio a interdisciplinaridade de sua trajetória, com ênfase em Ética, Teoria Política, História da Filosofia e Epistemologia. Lattes:  http://lattes.cnpq.br/8740728758861601 ​ LIA PINHEIRO BARBOSA é Socióloga e Doutora em Estudos Latino-Americanos. Docente na Universidade Estadual do Ceará (UECE), no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e no Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE). Pesquisadora do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), no GT Economía Feminista Emancipatoria. Líder do Grupo de Pesquisa Pensamento Social e Epistemologias do Conhecimento na América Latina e Caribe. Lattes: http://lattes.cnpq.br/3858914223581195 RITA DE CÁSSIA FRAGA MACHADO é feminista, professora na Universidade do Estado do Amazonas, pesquisadora associada à ANPOF (Associação Brasileira de Pós-Graduação em Filosofia) e compõe o núcleo estruturante do GT de Filosofia e Gênero. É Militante da Marcha Mundial das Mulheres Brasil. Tem diversas produções nos Estudos Feministas. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8882999172098781 ​ SUSANA DE CASTRO é Professora associada do departamento de filosofia da UFRJ e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRJ. Coordenadora do Laboratório Antígona de Filosofia e Gênero. Autora dos livros Filosofia e Gênero (7Letras, 2014) e As mulheres das tragédias gregas: poderosas? (Manole, 2011), e do capítulo “Condescendência: estratégia pater-colonial de poder” (In: Hollanda, Heloisa Buarque, org. Pensamento feminista Hoje: Perspectivas decoloniais, Bazar, 2020), entre outros. Lattes: http://lattes.cnpq.br/7714162590268606 #redebrasileirademulheresfilosofas #filosofasemquarentena #filosofasOrg #introducaoaofeminismo

  • Ensinando coisas dolorosas em um mundo injusto

    Este é um post convidado, escrito por Audrey Yap, Professora do Departamento de Filosofia da Universidade de Victoria, sobre como e se você deve incorporar material sobre o Covid-19 em suas aulas. (Originalmente publicado em The Philosophers Cocoon. A tradutora experimenta, no que se segue, usar o feminino como “pronome neutro”.) Nesse momento particular, quando muitas professoras estão em transição ou se preparando para fazer a transição para diferentes tipos de instrução em meio a uma pandemia global, muitas de nós se impressionarão com a importância de boa parte do material com o qual lidamos profissionalmente. Muitas professoras estão ponderando o quanto querem incluir material relevante sobre o COVID-19 em suas aulas, ou ao menos começam a reconhecer até que ponto o material com o qual já trabalham tem implicações para nosso pensamento sobre a situação atual. Com relação à pergunta anterior, Sean Valles (Michigan State), que trabalha com filosofia e saúde pública, escreveu um post extremamente útil no Facebook e deu uma entrevista significativa, disponível no podcast Sci Phi. É provável, entretanto, que mesmo aquelas que não contemplem explicitamente conteúdos sobre saúde pública e pandemias possam achar que seus cursos de filosofia da ciência, filosofia política ou cursos de teoria dos valores eventualmente se se conectem com o tema. Essa situação, entretanto, não é tão nova assim, principalmente para muitas filósofas que trabalham sobre temas como opressão. Muitas dessas acadêmicas, incluindo (certamente não de forma restrita) filósofas feministas, da raça, da deficiência [disability] e que trabalham com o tema da descolonização, há anos vêm conversado com as estudantes sobre assuntos que são ao mesmo tempo dolorosos e diretamente conectados às suas circunstâncias, suas vidas. Quando ensinamos sobre violência de gênero em turmas de graduação, por exemplo, é quase certo que estamos conversando com uma audiência na qual há vítimas de violência de gênero e talvez mesmo algumas agressoras. Levando isso em conta, este post pretende oferecer algumas considerações que são úteis para mim e para outras filósofas feministas quando ensinamos sobre temas potencialmente dolorosos. Como a violência de gênero é uma das minhas áreas de pesquisa, pensei em compartilhar algumas das coisas que tento ter em mente quando a discuto na sala de aula. 1. Todas as suas estudantes serão impactados de maneiras diferentes. Você provavelmente não será capaz de antecipar todas elas. Por isso, tente evitar fazer de qualquer pessoa ou grupo, de saída, um vilão. Suponha, e convide as estudantes a supor com você, que o grupo pode conter pessoas que sofreram e também pessoas que fizeram sofrer. Algumas dentre aquelas que fazem ou fizeram outras sofrer podem até perceber isso por si mesmas no curso de suas discussões. Podemos também reconhecer explicitamente que nenhuma das duas categorias forma um grupo homogêneo e que frequentemente existem pessoas que se enquadram em ambas. 2. Estabeleça explicitamente com o grupo práticas de correção mútua, sobre como agir se alguém disser algo problemático, ou sobre como discordar umas das outras acerca de um assunto delicado. Deixe claro que você está entre as pessoas que podem ser corrigidas ou das quais se pode discordar. Algumas professoras expressam isso em termos de paciência umas com as outras e em termos de nos dar a chance de revisar e repensar nossos próprios vieses, perspectivas e preconceitos. Isso pode estar incluído no seu programa de curso, por exemplo. Às vezes, digo às estudantes que se eu usar um termo inapropriado ou apresentar um problema de maneiras que elas consideram problemáticas, eu apreciaria muito se me sugerissem um termo ou enquadramento mais adequado – seja pessoalmente ou mais tarde por e-mail. Algumas estudantes já fizeram isso por mim, o que achei extremamente útil. 3. Tenha cuidado com discussões não-moderadas, como discussões em pequenos grupos. O que para uma pessoa parece um cenário abstrato pode muito bem ser a vivência de outra pessoa. Mesmo especulações filosóficas bem-intencionadas sobre um tal cenário podem ser experimentadas como profundamente nocivas. Considere, por exemplo, o que algumas filósofas da deficiência [disability] dizem sobre sua experiência em cursos de filosofia nos quais o assunto “deficiência” surge. Você precisará, então, ter uma boa noção das habilidades necessárias para a discussão em seu grupo, incluindo o compartilhamento de um vocabulário. E, provavelmente, será preciso também ter certa clareza sobre alguns resultados pretendidos dessas discussões. 4. Tenha cuidado também com as formas de avaliação. Para algumas pessoas, a escrita filosófica sobre experiências pessoais dolorosas pode parecer terapêutica, ou ao menos neutra. Para outras, pode ser traumática. Tente estabelecer práticas de avaliação que sejam pelo menos flexíveis o suficiente para não forçar as estudantes a escrever sobre alguns desses tópicos. Se você as forçar a fazer isso, poderá estar avaliando não apenas suas habilidades filosóficas, mas também sua capacidade de compartimentalizar o trauma, ou mesmo elaborá-lo em um contexto filosófico. Você também deve pensar em quem vai avaliar essas tarefas. Você está preparado para fazê-lo? Essa pergunta é importante não apenas para o bem das pessoas cujo trabalho está sendo avaliado, mas para aquelas que precisam ensiná-lo e avaliá-lo. Na minha própria experiência, ler o trabalho da estudante que se envolve com esse tipo de material difícil é gratificante e desgastante. O me leva ao ponto final. 5. Você também está no mundo. Nenhuma de nós é uma fonte desencarnada de conhecimento, e falar sobre assuntos dolorosos e difíceis talvez seja um momento no qual você precise ser humana com suas estudantes, em vez de “apenas” sua professora. Em parte, isso significa reconhecer seu próprio lugar social e ser honesta a esse respeito, pois isso afeta tudo, e de modos que você talvez não consiga prever. Em parte, isso significa reconhecer que você tem sua própria vida emocional e seu relacionamento com os problemas em questão. Já chorei em seminários e palestras. Isso é parte de quem eu sou em geral – não sei esconder emoções [I have no pokerface]. Em nenhum momento senti que isso me prejudicou como sujeito de conhecimento; já ocorreu, por vezes, de estudantes me dizerem que apreciavam a permissão implícita de sentir e mostrar seus sentimentos sobre o assunto. Ocorre que eu também ensino conteúdos relacionados a opressões que eu mesma não enfrento e preciso ser honesta sobre o fato de que não sou impactada negativamente por essas coisas do mesmo modo que alguns de minhas estudantes são. Independentemente dos lugares em que você está posicionada, se você espera que as estudantes confiem em você, mesmo em suas posições de vulnerabilidade, você também precisa estender essa confiança a elas. Se você não puder fazer isso, tudo bem – mas tente não impor a outras pessoas demandas emocionais que você também não está preparada para atender. Não pretendo que essas estratégias atenuem todos os danos possíveis que minhas aulas podem acarretar. Ou que esta lista seja completa ou funcione para todas em todas as salas de aula. Mas se você está pensando no que fazer quando o tópico “COVID-19” aparecer em sua aula, lembre-se de que há algum tempo muitas de nós já ensinamos sobre tópicos que sabemos ser diretamente significativos para algumas vivências extremamente difíceis de nossas estudantes. Na medida em que observamos o grande número de questões filosóficas diante das quais uma pandemia global ganha relevo, vale lembrar que crises como essas ampliam desigualdades e tensões em nossos sistemas. As questões filosóficas que pensávamos estar ensinando de forma imparcial e neutra podem ter mais relevância pessoal para alguns de nossos estudantes do que se pensava até agora. Tradução de Gisele Secco (Tradução autorizada pela autora. A tradutora agradece a Nastassja Pugliese e Ronai Rocha pela revisão que auxiliaram fazer no texto)

  • Madame du Châtelet por Mitieli Seixas

    "Eu sou minha própria pessoa e sou a única responsável por mim mesma e por tudo o que sou, o que digo e o que faço. Podem existir metafísicos e filósofos cujo conhecimento seja maior do que o meu. Ocorre que eu ainda não os encontrei. Mas, mesmo eles, são apenas fracos seres humanos com falhas, e quando conto meus talentos, eu penso que posso dizer que não sou inferior a nenhum deles.” diz Madame Du Châtelet. No verbete do blog Mulheres na Filosofia dedicado à Du Châtelet, Mitieli Seixas desenvolve os principais aspectos da vida e obra da filósofa, matemática e cientista francesa do século XVIII. Lendo o verbete você poderá saber mais sobre suas publicações em anonimato, seu intercâmbio intelectual com Voltaire, suas importantes obras sobre a física Newtoniana, os comentários de Kant ao seu trabalho e a influência de Leibniz em sua filosofia natural. Além disso, Mitieli Seixas localiza a obra de Du Châtelet no projeto de reconstrução do cânone da história da filosofia a partir da contribuição das filósofas. Ela aponta que este resgate esbarra em inúmeras dificuldades: “Dentre elas, contamos dificuldades em localizar os textos, atribuir-lhes autoria e legitimar formas narrativas não convencionais. A obra da Marquesa du Châtelet não é imune a esses obstáculos”. No verbete, Seixas mostra que du Châtelet teve textos que foram publicados anonimamente, outros publicados apenas postumamente e outros que sequer foram devidamente localizados! Leia o verbete e saiba mais sobre a obra de Émile du Châtelet e seu impacto na filosofia do século XVIII. A autora Mitieli Seixas é professora da UFSM, pesquisa Filosofia Moderna e já publicou diversos artigos na área. Ela coordena o Grupo de Estudos e Extensão Universidade das Mulheres que procura previnir e combater a exclusão e a violência de gênero. Seixas já apresentou o resultado de sua pesquisa sobre a epistemologia de Émile du Châtelet em diversas conferências e ela é uma de nossas autoras aqui no blog Mulheres na Filosofia. O verbete está disponível em pdf, pronto para ser impresso e utilizado em sala de aula! Confira! https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/emilie-du-chatelet/ #blogmulheresnafilosofia #redebrasileirademulheresfilosofas #duchêtelet

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